Problemáticas envolvendo os povos indígenas em situação de isolamento voluntário mundo afora foram abordadas na última quarta-feira (10) em Genebra, na Suíça, durante a sessão do Mecanismo de Peritos das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP). Em declaração conjunta com a liderança indígena Utumbahoy, da Colômbia, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) abordou o assunto a partir da vida desses povos no Brasil.
Conforme o pronunciamento do assessor do Cimi Paulo Lugon Arantes à Organização das Nações Unidas (ONU), “os povos indígenas isolados sofrem desproporcionalmente os efeitos das alterações climáticas e estão sob o risco de atrocidades cometidas por empresas transnacionais que trabalham na indústria extrativista, especialmente hidrocarbonetos e mineração”. Incêndios e mudanças no meio ambiente afetam territórios habitados pelos povos isolados.
Arantes lembrou que “durante a pandemia da covid-19, essas populações foram dizimadas ou drasticamente reduzidas tanto pelo desconhecimento das suas particularidades como pela negligência maliciosa dos Estados”. A situação pode estar se repetindo com as mudanças climáticas promovidas pelo homem: desconhecendo o que está por trás do que vivenciam em suas terras, acabam mais expostos e vulneráveis.
No entanto, o assessor do Cimi ressaltou a importância dos povos isolados neste momento em que a humanidade enfrenta e sofre as consequências da ganância de bancos, empresas transnacionais e governos voltados apenas aos próprios interesses. Até mesmo a proteção ambiental vem sendo colocada à disposição do lucro no chamado mercado de carbono. Os povos nessa situação, com o modo autodeterminado de vida garantido, podem indicar um caminho de retorno à relação intrínseca com o meio ambiente.
“Devemos considerá-los não apenas como vítimas de violações dos direitos humanos, mas sim como agentes de mudança, sem os quais nenhum Estado alcançará os ODS. Eles podem nos ensinar lições valiosas”, disse.
São 17 os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU para 2030, além de 169 metas, estabelecidos em 2015 pelos países membros, a que o assessor do Cimi se refere. Acabar com a pobreza e a fome, assegurar educação e saúde, são exemplos de objetivos, além de “proteger o planeta da degradação, sobretudo por meio do consumo e da produção sustentáveis, da gestão sustentável dos seus recursos naturais e tomando medidas urgentes sobre a mudança climática”.
Como implementar?
A pergunta emerge diante das necessidades mundiais e do prazo se esgotando: como implementar essa agenda? Para a ONU, só será possível com o engajamento global intensivo em apoio à implementação de todos os objetivos e metas, reunindo governos, setor privado, sociedade civil, o Sistema das Nações Unidas e outros atores e mobilizando todos os recursos disponíveis. Neste ponto, entra a sugestão levada pelo assessor do Cimi ao EMRIP.
“Recomendamos respeitosamente ao EMRIP que desenvolva um estudo sobre os povos nestes contextos. Como esta questão ultrapassa o contexto das Américas, e é genuinamente de preocupação global, há necessidade de estabelecer protocolos para o reconhecimento desses povos, orientando os Estados sobre políticas para o reconhecimento da possível existência destas populações”, disse Arantes.
O Cimi faz parte do Grupo de Trabalho Internacional Para a Proteção de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (GTI-Piaci). O GTI-Piaci é composto por organizações do Brasil, Paraguai, Bolívia, Suriname, Equador, Peru, Venezuela e Colômbia que trabalham em rede colaborativa para a proteção, defesa e promoção de direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato nas regiões da Amazônia, Cerrado e Gram Chaco.
Conforme contabilização do GT, existem 185 grupos em isolamento nessas regiões, com 66 confirmados, localizados nos nove países amazônicos, no cerrado brasileiro e na região do Gran Chaco, entre Bolívia, Argentina, Paraguai e Brasil. Durante a última assembleia, em fevereiro deste ano, a secretaria geral do GT foi passada para a Amazon Conservation Team (ACT) cumprindo o rodízio entre as organizações que integram a iniciativa.
Atenção especial dos estados
O GT-Piaci é, portanto, uma forma da sociedade civil organizada desses oito países da América Latina chamar a atenção dos estados nacionais e do mundo para a importância da atenção especial aos povos indígenas em situação de isolamento voluntário. O assessor do Cimi ressaltou este aspecto durante seu pronunciamento na ONU, compreendendo que tal atenção é também uma forma de manter florestas em pé freando os efeitos da emergência climática.
Ocorre que para isso é necessário a construção de políticas públicas e mudanças de paradigmas por parte de estados e governos. “Acreditamos que tais políticas devem basear-se no princípio bem estabelecido da precaução ao abrigo do direito internacional, tendo em vista o risco de extermínio de muitos povos, dos seus estilos de vida espirituais, culturais e tradicionais”, completou Arantes.
Além disso, seguiu o assessor do Cimi, “há necessidade de estabelecer princípios relativos a acordos entre os Estados fronteiriços para abordar a situação desses povos que vivem ou circulam através das fronteiras dos Estados, para garantir a autodeterminação (conceito presente em cartas da ONU), e de muitos outros direitos”.