O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que prevê um recurso de 30% do orçamento para o setor, não só tem sido cumprido pela gestão municipal como também ampliado para 50%.
Dessa forma, uma alimentação mais saudável é ofertada às crianças das escolas públicas da cidade. Essa é mais uma política identificada pela iniciativa Agroecologia nos Municípios, realizada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Desde a criação do município, em 1992, que fica na fronteira com o Peru, na região amazônica, no Vale Juruá, os indígenas e povos tradicionais têm pressionado os governos para a implementação de políticas públicas na região. O último prefeito eleito da etnia Ashaninka, Isaac Piyãko (PSD), é apoiador do movimento agroecológico e realizou iniciativas para o fortalecimento da agricultura familiar (veja aqui a matéria). Ele está temporariamente afastado para concorrer às eleições deste ano.
A prefeitura lançou neste mês de junho uma nova chamada pública com a previsão de atender 41 escolas com recurso acima de R$ 300 mil. O produtor concorre com uma proposta, que varia de acordo com a quantidade de alunas/os da escola. Em 2021, 53 famílias agricultoras forneceram alimentos para 41 escolas, a um custo de R$ 165.655,64, segundo a prefeitura. As entregas foram realizadas em três etapas divididas por unidades de ensino: creches e pré-escola, ensino fundamental até 5 anos e depois até 9 anos. A distribuição foi individual em forma de cesta aos alunos devido à pandemia. Os produtos são os mesmos de todos os anos mudando apenas as quantidades de acordo com o censo escolar e o cardápio da nutricionista.
De acordo com o secretário municipal de Educação, Eclinio Furtado do Nascimento, trabalhar com os 30% dos recursos do PNAE para a agricultura familiar regional é muito desafiador, pois muitas/os produtoras/es não têm as habilidades necessárias para participar de uma chamada pública. Mas, a prefeitura, segundo ele, tem levado técnicos e conhecimento aos territórios para a elaboração do projeto de vendas, mapeamento das áreas produtivas, dentre outras assistências necessárias. O município tem se tornado uma referência justamente por disponibilizar essa estrutura com profissionais e informações para garantir a compra e a qualidade dos produtos.
“Mesmo durante a pandemia, continuamos a execução para cumprirmos o percentual mínimo do recurso para o agricultor ter acesso a essa renda. A maior virtude é fazer com que a banana, a tapioca, o açaí e tantos outros produtos sejam produzidos e vendidos e que seus filhos os recebam na merenda da escola. Você tem merenda de qualidade, famílias com renda e produto servindo de alimentação para o seu próprio filho. As famílias foram estimuladas a produzir e estão tendo cada vez mais produtos a oferecer. Antes, as sobras se estragavam, agora ele tira o seu consumo e já sabe que parte daquilo vai se transformar em dinheiro para dentro da sua casa”, afirmou.
A prefeitura informou que, no ano de 2017, em torno de 25 fornecedores estavam envolvidos com as compras do Pnae. Ainda havia muita desconfiança sobre o pagamento, e hoje cresce cada vez mais o interesse em participar da venda de alimentos para as escolas. Existem relatos de agricultoras/es que chegaram a vender quase R$ 20 mil ao ano, valores que ainda não existiam na renda da família porque não havia mercado. O município está avaliando aumentar ainda o investimento para além do percentual previsto pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Nosso lucro varia de acordo com o produto que está sendo ofertado no cardápio e no nosso plantio, mas sem dúvida é um programa para nós, que moramos na zona rural, já que não temos outra forma de sustentar a nossa família, explicou a agricultora Nazaré Souza Correia, de 40 anos. “O Pnae é muito bom porque beneficia as/ os agricultoras/es dando a oportunidade de fazer uma entrega de merendas, que o próprio produtor produz e serve de ao seu filho na escola da comunidade ou no sacolão para eles distribuírem. Hoje, está sendo atingida a meta de venda de R$ 3 mil por ano e os produtos foram banana, melancia, macaxeira, farinha e galinha. É uma renda a mais que nos dá oportunidade”, afirmou.
Histórico do Pnae na cidade
A cidade é considerada uma das quatro mais isoladas do estado, cujo acesso ocorre só por pequenos aviões ou via fluvial após dias de navegação. O município é composto por um mosaico de áreas protegidas com terras indígenas, unidades de conservação federais e reservas extrativistas em quase todo o seu território. A experiência com o Pnae data do final da década de 1990, no contexto do Programa de Formação de Agentes Agroflorestais implementado pela ONG Comissão Pró-Índio do Acre (CPI Acre).
Os ashaninka desempenham papel fundamental nesse processo, defendendo a sua cultura, territórios e sistemas tradicionais de produção. Os extrativistas, ribeirinhos e agricultores familiares da região passaram a se beneficiar também dessas práticas e conhecimentos, trazendo melhoria e qualidade de vida para as populações a partir de iniciativas próprias, em parceria com ONGs, governos local e federal. Tudo sempre buscando a segurança alimentar e nutricional por meio da diversificação da produção e exigindo melhorias na alimentação das escolas. Assim começa a sensibilização do poder executivo local na adoção de compras da produção local nas escolas das aldeias e demais comunidades.
O primeiro processo licitatório do Pnae ocorreu em 1998 na gestão do prefeito Leandro Tavares garantindo a produção local nas escolas. Essa articulação se torna ainda mais forte com a eleição da liderança ashaninka, Isaac Piyãnko, no ano de 2016 dando intensidade e abrangência ao programa. Durante o seu mandato, a compra da agricultura familiar alcançou significativos 48% do orçamento destinado ao Pnae, incluindo o aporte financeiro dado com recursos oriundos do Fundo de Participação do Município (FPM), segundo a prefeitura.
Desafios na execução do Pnae
Até o momento, os editais estabelecem a compra diretamente da/o produtora/or, e não através de suas organizações comunitárias. Esse formato enfrenta outro desafio: o baixo número de agricultoras/es no município que possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), que permite que comercializem até R$ 40 mil por ano. Isso gera muita dificuldade em relação à emissão de notas fiscais, que às vezes são emitidas no município de Cruzeiro do Sul, cerca de 16 horas de viagem da cidade indo de barco, com uma passagem de R$ 160,00. (Mídia Ninja)