Violência e falta de transporte são problemas que Hildon Chaves não resolveu em Porto Velho

No dia a dia da população porto-velhense, isso significa uma lonjura sem fim, com bairros que surgem nas franjas do município.
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Francisco Costa
23 junho 2022
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Ruas de Porto Velho

Reportagem da Folha de São Paulo, mostra que o prefeito Hildon Chaves (PSDB), não conseguiu ao longo de seus dois mandatos melhorar políticas publicas de mobilidade e segurança em Porto Velho.

Uma cidade “3D”. Ou seja, dispersa, distante e desconectada. É assim que Porto Velho é descrita por especialistas em uma das versões do plano de mobilidade produzido em 2021 e que, se aprovado, deverá guiar os rumos da capital de Rondônia pelos próximos anos.

No dia a dia da população porto-velhense, isso significa uma lonjura sem fim, com bairros que surgem nas franjas do município, onde não se sabe ao certo o que é perímetro urbano ou zona rural.

Trata-se de um dos piores cenários para a mobilidade, porque encarece o sistema de transporte público, dificulta o deslocamento a pé ou com bicicleta e obriga o cidadão a gastar tempo e dinheiro para chegar até a região central, que concentra a maior oferta de empregos.

As dimensões são colossais. Em área, Porto Velho é a maior das 27 capitais brasileiras. Com 34 mil km², o município tem mais território que os estados de Sergipe (21,9 mil km²) e Alagoas (27,8 mil km²). O último de seus distritos, Nova Califórnia, fica mais próximo de Rio Branco (AC), a 150 km, do que da região central da cidade, a 360 km —algo como de São Paulo a Bauru.

O núcleo urbano, onde vive a maioria absoluta da população, não chega a essas quilometragens centenárias, mas já é disperso o suficiente para causar problemas, como a reportagem constatou no início do mês. No Índice Folha de Mobilidade Urbana, Porto Velho é caracterizada como uma cidade com dificuldades para atingir a mobilidade sustentável em um prazo razoável.

Quem vê a cozinheira Crislane Santos Meireles, 27, caminhando ao lado de um terreno baldio, no início da manhã, desde o assentamento Nova Canaã até o último ponto de ônibus do bairro Ulisses Guimarães, na zona leste, percebe o porquê. O ponto de ônibus instalado perto da casa dela está pichado e desativado, na estrada dos Periquitos, obrigando-a a caminhar algumas centenas de metros.

A frequência dos ônibus, de até uma em uma hora, em alguns momentos, já tirou o ânimo da cozinheira e no passado a fez buscar alternativas. Uma opção foi o táxi compartilhado, uma espécie de lotação criada por parte dos taxistas e, ao lado de aplicativos e mototáxis, concorrente do transporte público oficial. Mas a viagem por R$ 7 ou R$ 9 inviabilizou o uso diário —a passagem de ônibus pode sair por até R$ 3. “O que sobra do meu salário dá R$ 900. E desses R$ 900 tenho que fazer milagre. É casa, comida, babá. Todo dia tem aumento no mercado e descontam alguma coisa diferente. A gente sobrevive“, diz. Ou seja, transporte público de qualidade é crucial para a vida dela. Nesse extremo de Porto Velho, Crislane também convive com a insegurança. Ela já foi assaltada sete vezes enquanto esperava ônibus ou voltava para casa. O taxista José Alves, 75, tem 12 clientes fixos, moradores da periferia de Porto Velho, que cansaram de esperar nos pontos e se veem obrigados a gastar mais pelo que deveria ser um direito. “Quem não trabalha sábado paga R$ 35 por semana. Se for para pegar em casa, eles pagam R$ 3 a mais [por viagem]. Saio agora às 6h40, 7h50 e, depois, às 9h. Daí fico no centro”, afirma. À tarde, Alves faz frete com um pequeno caminhão para complementar a renda. Parte das linhas de ônibus da capital de Rondônia tem mais de 40 km, ida e volta. Com isso, para manter uma frequência razoável, são necessários muitos veículos no “carrossel”, algo indisponível no momento. Isso atrasa a vida de quem depende do transporte. A falta de ônibus é tamanha que universitários chegaram a se mobilizar recentemente por mais coletivos para levá-los ao campus, distante do centro, aonde chegavam atrasados constantemente. Outro detalhe é que a avenida Sete de Setembro, a principal da cidade, tem sobreposição de linhas de ônibus. Ou seja, quase todas as rotas passam por lá e, posteriormente, seguem para os bairros. Uma curiosidade é que, embora tenha sua história atrelada à ferrovia Madeira-Mamoré, Porto Velho não conta com transporte sobre trilhos para conectar seus muitos bairros. Reginaldo Mascarenhas Barbosa, 53, já está aposentado, mas faz questão de ir ao centro da cidade diariamente. Morador do bairro Socialista, ele precisa pegar o coletivo com destino ao bairro Orgulho do Madeira para voltar para casa. “Demora de 45 minutos a uma hora para passar”, conta. No fim de semana, o dobro de espera. Tanta demora já fez com que Barbosa procurasse uma alternativa por conta própria, porém esbarrou em uma dificuldade bastante peculiar, que o impediu de ter a CNH. “Já tentei cinco vezes fazer a baliza, mas fui reprovado. Passei no teste do Detran, mas quando chegou na prática…” O fato é que muita gente mais habilidosa na condução compra carro ou moto. Tanto que cruzamentos como das avenidas 7 de Setembro e Governador Jorge Teixeira, na região central, ficam coalhados de veículos no fim de tarde, provocando até mesmo nós no trânsito. Também busca uma solução pessoal quem roda longe dali. O borracheiro Rafael Paulo Vaz Pereira, 27, passou a viver com a mulher, a dona de casa Mariceli Pereira Lira, 31, e o filho, João Caleb, 4, em bairro da zona rural próximo da mancha urbana. Não teve dúvida em comprar uma motocicleta, sobre a qual leva todo mundo. Foi a única opção viável de transporte por uma região onde ônibus não passa. Há duas semanas, Pereira cruzou com a reportagem por uma estrada de terra à margem esquerda do rio Madeira. Além da mulher e do filho, levava varas de pescar, muda de roseira e mochilas. O borracheiro sonha com uma expansão da cidade mata adentro, o que é o pesadelo de especialistas em transporte, entre outros. “A gente espera, porque, chegando mais gente, quem sabe não facilita as coisas?” O fato de ser uma cidade plana colabora para que muitos moradores usem bicicletas em seus deslocamentos, principalmente no interior dos bairros periféricos. O problema é que as poucas ciclovias hoje existentes são desconectadas. A arquiteta e urbanista Raísa Tavares participou da revisão do plano diretor e explica que a cidade sofreu diversas explosões habitacionais nas últimas duas décadas, principalmente aquelas motivadas pela construção de hidrelétricas nas proximidades. Também cita outras questões ocorridas ao longo do tempo. “O processo de regulação fundiária é diferente do restante do Brasil. São áreas muito grandes, com interesse de serem ocupadas. Isso aconteceu sem o acompanhamento do Executivo, sem planejamento”, diz Raísa. A coordenadora do plano de mobilidade de Porto Velho, Rosana Matos, reconhece as dificuldades. “É complexo de administrar, sem contar que é uma criança perto de São Paulo. Tem muito ainda a ser feito. Dentro da estrutura atual, não temos como conectar, como aglomerar.” Sobre as dificuldades no transporte público, ela diz que, durante a pandemia, havia 35 ônibus para atender a todo o município, cuja população supera meio milhão de pessoas. Hoje, são 86 veículos. A especialista da prefeitura afirma que a demanda tem aumentado. Em abril de 2021, os 35 coletivos transportavam 6.000 passageiros por dia útil. Hoje, os 86 transportam 41 mil, em média. “A gente coloca ônibus e não supre. É aquela labuta todo dia. Parece que está sempre faltando. Quanto mais coloca, mais a demanda cresce. A população vai incorporando e usando o transporte.” Apesar do aumento em comparação ao período crítico da pandemia, os números ainda estão muito distantes do que foram no passado, quando eram transportados até 110 mil passageiros por dia.

Além do arrefecimento da Covid-19, a alta do preço dos combustíveis tem devolvido passageiros aos poucos, segundo Rosana. “Muitas pessoas com veículo próprio estão deixando carro na garagem e entrando no transporte. Está gerando esse impacto”, explica.

A coordenadora do plano de mobilidade diz que a alternativa número um é injetar mais ônibus no sistema e que a prefeitura trata sobre isso com a empresa. Vale ressaltar que o transporte na cidade não é licitado, mas concedido. “A empresa também não tem como colocar de uma vez só. Inclusive, estava em prejuízo no início do ano passado. É uma concessão e estava no sufoco. O que entrava não cobria os gastos.”
Índice Folha de mobilidade urbana
Conjunto de indicadores permite ter uma ideia do nível de mobilidade nas capitais
O contrato, por sinal, prevê o atendimento apenas em área urbana. Por esse motivo, bairros novos, que oficialmente ainda estão na zona rural, ficam descobertos pelo transporte público, segundo Rosana.

Uma capital sem terminais de integração é algo estranho para quem vive a mobilidade das grandes cidades. Porto Velho é assim, desde que uma cheia do rio Madeira, em 2014, inundou uma grande área que recebia os ônibus na região central. Para suprir essa necessidade e dar infraestrutura ao transporte, a prefeitura planeja implantar 20 estações de alta capacidade. A promessa é de que tenham até wifi e ar condicionado.

Além da melhoria no sistema de transporte público, a responsável pelo tema na prefeitura quer pôr em prática o projeto que, hoje, consta apenas no papel, como um mapa cicloviário. Ciclistas atualmente se esgueiram entre veículos. Seria outra tentativa de desestimular o uso dos carros.

Segundo a especialista da prefeitura, a elaboração do plano de mobilidade passou por vários entraves na última década, mas agora está bem encaminhado. “Já está prontinho. Entregamos em 8 de dezembro de 2021, aprovado pela população. Agora, está aguardando a aprovação da Câmara para legitimar.” (Folha de São Paulo)

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