Nambikwara Mamaindê, aldeia central em Mato Grosso — Foto: Kristian Bengtson |
A Justiça Federal acatou os pedidos feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) e determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) faça a revisão dos limites da Terra Indígena Lagoa dos Brincos, do povo Nambikwara Mamaindê, em Comodoro, a 677 km de Cuiabá.
A decisão judicial também declara que a União e a própria instituição indigenista foram omissas ao não adotar as medidas necessárias para que a reivindicação dos Mamaindê, registradas em 2005, fosse avaliada.
Para que seja dado prosseguimento no processo de revisão de limites da área, a Funai deverá publicar, no máximo em 30 dias, portaria de constituição de grupo de trabalho para elaboração do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), em razão da reivindicação do subgrupo indígena Nambikwara Mamaindê.
Em seguida, deverá apresentar em juízo, também no prazo de 30 dias, a partir da publicação da portaria que constituirá o grupo, o plano de trabalho de elaboração do RCID.
O documento deverá conter o cronograma de atividades, que se refere às reuniões de instrução do grupo, período de levantamento de informações bibliográficas e documentais, trabalho de campo do antropólogo, entre outros.
Ao final, a GT terá 180 dias para elaborar e finalizar o RCID, que deverá ser entregue em juízo no máximo até 15 dias após o seu término. Todos os custos de elaboração e finalização do relatório deverão ser honrados pela Funai.
A Justiça determinou ainda que, em caso de descumprimento dos prazos fixados, será aplicada multa no valor de R$ 5 mil por dia, tanto à Funai quanto à União.
Durante a tramitação do processo, a União chegou a requerer a suspensão do andamento processual, pedindo a aplicação do parecer que estabelece, como regra geral, para toda demarcação de terra indígena, as condições estabelecidas no julgamento da TI Raposa Terra do Sol, especialmente sobre a vedação de ampliar as atuais demarcações de terras indígenas.
Mas, em sua decisão, o juiz federal, da 1ª Vara Federal Cível e Criminal de Cáceres, Marcelo Elias Ferreira, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou no sentido de que as condições estabelecidas no julgamento da TI Raposa do Sol somente se aplicam àquele caso.
O magistrado ainda enfatizou que, para ele, os argumentos trazidos pelo parecer citado acima são 'falaciosos, uma vez que não se pode chegar a uma conclusão universal tendo por base premissas de existências, dentro de um estrutura dedutiva de raciocínio'.
O juiz chegou a comparar a omissão estatal dos dias atuais, em relação a proteção dos ecossistemas brasileiros e dos povos indígenas, com o que ocorreu na época da ditadura militar, registradas no chamado Relatório Figueiredo, pois tem se criado condições para a exploração predatória de recursos naturais e “toda sorte de violência contra os grupos indígenas, as quais são praticadas por interesses e grupos privados”, explicou.
Entenda o caso
Todo o processo teve início em 25 de agosto de 2008 quando indígenas da comunidade Anunsu, dos Nambikwara, encaminharam um abaixo-assinado ao MPF, relatando ameaças e intimidações de fazendeiros dentro da TI Vale do Guaporé.
A partir de então foi instaurado o inquérito civil, objetivando originalmente apurar a eventual necessidade de revisão da TI Vale do Guaporé.
Pediu-se informações à Funai que esclareceu que a TI Vale do Guaporé, localizada nos municípios de Comodoro, Nova Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade está homologada pelo decreto de homologação nº 91210, de 29 de abril de 1985. A TI possui uma área de 242.593 hectares e perímetro de 551 km, e é composta pelas aldeias Manairisu, Wasusu, Alantesu, Negarotê, Capitão e Mamaindê. Foi informado também que havia uma reivindicação indígena pela revisão dos limites da TI Vale do Guaporé, datada de 2005.
Posteriormente, em 2010, a Funai repassou informações ao MPF, esclarecendo que, ao atender a solicitação dos Mamaindê, uma equipe da Funai de Cuiabá realizou no final do mês de agosto daquele ano uma vistoria na TI Lagoa dos Brincos.
E, de acordo com o relatório técnico, durante os trabalhos de campo foi constatado que três lagoas sagradas ficaram de fora da área demarcada, sendo que uma já havia sido destruída por uma fazenda.
Diante da situação, e da insistência dos indígenas indignados com a violação do lugar sagrado, a Funai colocou quatro placas indicativas, esperando deter o avanço do desmatamento, evitar um conflito com a fazenda e corrigir um erro de demarcação.
Em 2014, devido a inércia da Funai, o MPF expediu uma recomendação dando prazo de 90 dias para que se desse início ao procedimento para revisão da demarcação da TI Vale do Guaporé.
Em novembro de 2015, a Funai informou novamente que estavam priorizando a conclusão dos procedimentos de identificação e delimitação já iniciados, com base na capacidade de execução das ações frente às limitações de recursos humanos e orçamentários e à complexidade inerente aos estudos de identificação e delimitação de terras indígenas, assim como na necessidade em atender de modo equânime e razoável todos os grupos indígenas envolvidos.
Em fevereiro de 2016, a Funai apresentou um mapa da região que estava sob análise, ou seja, da TI Lagoa dos Brincos.
Em 2019, o MPF encaminhou um ofício à Funai para saber sobre o acatamento ou não da recomendação e a relação entre a TI Vale do Guaporé e Lagoa dos Brincos.
Foi então que a Funai respondeu informando que acataria a recomendação, mas que no momento tinha dificuldades para concretizá-la. E, sobre a TI Lagoa dos Brincos, trata-se de uma reivindicação do subgrupo indígena Nambikwara Mamaindê, registrada erroneamente como TI Vale do Guaporé, no antigo Sistema de Terra Indígenas (STI) e, atualmente, corretamente assinada no Sistema Indigenista de Informações (SII).
Em julho de 2020, o MPF ajuizou a ação civil contra a União e a Funai, que resultou na sentença da Justiça Federal, Subseção Judiciária de Cáceres no dia 28 de junho de 2022. (G1