No Brasil, negros são maioria das vítimas de intervenção policial

‘É estrutural nas corporações desde a criação’, diz sociólogo
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FRANCISCO COSTA
10 julho 2022
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PM de São Paulo imobiliza homem negro que participava de manifestação contra a morte de um jovem da comunidade do Moinho. Rovena Rosa (Agência Brasil)

Publicado em junho deste ano, o 16° Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que do total de 6.145 mortes por intervenção policial, em 2021, 84,1% eram negras e 15,8% eram brancas. O anuário é elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública que reúne e compara os dados oficiais disponíveis sobre violência no País.

Ainda que tenha ocorrido um redução de 4,9% em relação as 6.413 mortes, em 2020, a taxa de mortalidade por ações policiais militares e civis, ao longo do tempo, ainda chamam atenção da população, principalmente, quando o fator racial entra em pauta. Na leitura do sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio o histórico negativo da violência policial no Brasil, dentre outros pontos, se deve pelo racismo que estrutura das corporações desde a criação.

“Do ponto de vista temporal, nós falamos de uma polícia que tem entre 120 a 130 anos. Essas polícias antes de serem militares, eram forças públicas e quase todas elas nascem de forças auxiliares desde os meados do império. E todas elas, independente do Estado e idade, têm uma característica muito clara que é proteger a elite empresarial, elite branca das classes perigosas. E quem era as consideradas da classe perigosa? Eram os trabalhadores de modo geral e, em especial, homens e mulheres negras”, explica o sociólogo.

Fatores em resumo

De acordo com o levantamento, do total de homicídios dolosos (quando há intenção de matar), 77,6% das vítimas eram negras e 22% brancas; no caso de latrocínio, 67,6% das vítimas eram negras, enquanto 32% brancas. O sociólogo atenta ainda para o olhar que é dispensado aos jovens negros no Brasil. Segundo Luiz Antônio, as polícias em geral são treinadas para olhar os jovens negros como uma ameaça.

“Se observarmos não necessariamente nos manuais de formação destas instituições, mas na prática cotidiana, os policiais são treinados para olhar os jovens negros, pobres e periféricos como perigosos e, ao mesmo tempo, temos desde o período escravista a cultura da violência, do impacto e agressão sobre o corpo humano, e que foi naturalizado isso“, relembra o sociólogo que complementa:

“O livro didático de história, até o início dos anos 80, mostrava a figura de Tiradentes esquartejado, então, essa ideia de destruir o outro, de esquartejar, tem a ver com a destruição da existência do outro e isso tudo ainda é presente, é presente nas Forças Armadas, nas forças auxiliares também, que tem o negro como grupos perigosos, ou seja, aqui é um resumo de todos fatores para que se entenda essa violência contra os negros“, resume Luiz Antônio.

Questão social

A página 87 do Anuário destaca que o “racismo que vitima os negros brasileiros não resulta de uma característica exclusiva das polícias, mas é consequência de uma demanda social estrutural, institucional e histórica, que reservou ao negro o lugar de problema a ser eliminado na transição pós-abolicionista”.

Na mesma linha, o professor e sociólogo afirma que é “Óbvio que não podemos dizer que essa é uma cultura somente da polícia, é da sociedade, assim como é cultura do escravismo. Eu costumo lembrar que o escravismo não foi uma prática de donos de escravos, de homens escravizados, foi a sociedade brasileira que escravizou homens e mulheres que eram livres em seus Estados nacionais e foram sequestrados e trazidos para o Brasil e submetidos à escravidão por mais de 300 anos. Tudo com muita violência com o corpo do outro, por ser diferente de mim e quem é diferente de mim? É o negro, é a mulher, indígenas, pobres, imigrantes e a todos foi admitida a violência e destruição de suas existências”, explica.

Outros dados

Conforme o estudo, entre os policiais civis e militares que também são alvos de mortes violentas, quase 68% são negros. Em 2020 foram 222 casos e 190 em 2021. Quando o estudo foca nos casos de feminicídio, 62% das vítimas são negras e 37,5% são brancas.

Desde o ano de 2013, período em que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública começou o processo de monitoramento de mortes ocorridas em intervenções policiais, ao menos 43.171 pessoas foram vítimas de ações. No entanto, este índice não inclui números de mortes ocasionadas por intervenções de policiais federais e rodoviários federais.

Vale lembrar que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 56% da população brasileira é negra. O documento com mais de 500 páginas traz dados sobre outras pautas relacionadas à segurança, no Brasil, como violência doméstica, violência sexual, injúria racial e LGBTQIAP+, crimes contra o patrimônio e a violência contra crianças e adolescentes são alguns dos temas destacados. (Agência Amazônia)

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