A corrida eleitoral pela Presidência do Brasil parece um pouco mais comprometida com as pautas ambientais em 2022. Entre os planos de governo dos concorrentes à frente nas pesquisas, estão pontos-chave que protagonizaram crises fora e dentro do país nos últimos anos, como o combate ao desmatamento e ações para conter as mudanças do clima.
Porém, embora tenham ganhado mais espaço que em eleições passadas, as propostas na área ainda são vistas como insuficientes para reverter o cenário crítico no qual o país se encontra.
Homem foge de incêndio no Pantanal em 2020, o maior já registrado no bioma desde o início dos registros (Foto: Gustavo Basso/NurPhoto/picture alliance) |
"As propostas ainda são muito tímidas, genéricas e muitas vezes superficiais", analisa Rodrigo Castro, membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor da Fundação Solidaridad, em entrevista para a DW Brasil.
"Longe de ser compromisso central"
Depois do "desastre" da gestão de Jair Bolsonaro, a expectativa era de que seus oponentes apostassem numa agenda socioambiental mais ambiciosa, pontua Carolina Mattar, coordenadora executiva do Instituto Democracia e Sustentabilidade.
"Elas até aparecem nos programas de governo, mas estão longe de serem compromissos centrais", complementa Mattar, uma das criadoras da plataforma online Farol Verde, que mostra o empenho de candidatas e candidatos ao Senado e à Câmara dos Deputados Federal com as questões ambientais.
Numa análise feita pelo Observatório do Clima, rede formada por 65 organizações da sociedade civil, a candidatura de Lula (PT) foi apontada como a mais verde entre os oponentes do atual governo, que tenta a reeleição. Na comparação, foram considerados 25 itens da agenda socioambiental apresentada pelo ex-presidente, Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT).
A adesão do candidato Lula aos compromissos de Marina Silva, ex-ministra de Meio Ambiente do petista e atual candidata a deputada federal por São Paulo, trouxe um novo fôlego, diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Dentre os compromissos assumidos estão o fortalecimento da fiscalização e punição dos crimonosos ambientais, controle do desmatamento, combate à mineração ilegal, regularização de terras na Amazônia coibindo grilagem, investimento em ciência, em agricultura de baixo carbono e energias renováveis.
Lula, Tebet e Ciro
No ranking do Observatório do Clima, Simone Tebet é apontada como a segunda candidata mais comprometida com as questões ambientais. No eixo que chamou de "Economia verde e desenvolvimento sustentável" do plano, a candidata promete não tolerar o desmatamento ilegal, combater grileiros, madereireros, garimpeiros e invasores, mas não estipula um prazo para implementação da política.
Também sem mencionar uma data limite, Tebet diz que vai acelerar o cumprimento das metas de redução de gases de efeito estufa e de reflorestamento previstas no Acordo de Paris como forma de combate ao aquecimento global.
Outros destaques vão para a promessa de retomada do Fundo Amazônia, fortalecimentos dos órgãos de fiscalização, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Ibama; e Fundação Nacional do Índio, Funai.
Por outro lado, enquanto senadora, ela foi apontada como uma das mais atuantes no Congresso em tramitações de projetos considerados anti-indígenas, segundo um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), de 2018.
Ciro Gomes, analisado como o menos engajado nas pautas ambientais, tem no histórico de campanha presidencial declarações mais incisivas do que as propostas de fato apresentadas em seu programa de governo.
Em quatro parágrafos, ele diz que pretende criar um zoneamento econômico e ecológico do país, em especial na região amazônica, provando que a floresta em pé vale mais que derrubada.
"A proposta de Ciro Gomes, como a própria candidatura dele, que se propõe a ser uma terceira via, é essa tentativa de conciliação dos grandes empreendimentos, das grandes indústrias – o que, na Amazônia, têm sido experiências muito danosas ao meio ambiente”, avalia André Farias, pesquisador do Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará, UFPA, em entrevista à DW Brasil.
O plano remodelado de Lula coloca na mesma agenda compromissos com demarcação de terras indígenas, a agricultura de baixo carbono, condiciona empréstimos de bancos a produtores que estejam em conformidade com as medidas, cria novas unidades de conservação, além do fortalecimento de órgãos ambientais – mas também não estipula prazos.
Na visão de Farias, Lula acerta ao dialogar com outro modelo de desenvolvimento possível de ser implantado na Amazônia, como a proteção dos povos tradicionais e um retorno aos investimentos em saneamento ambiental nas cidades e metrópoles da região.
"Meio ambiente não é só floresta, é também água potável nas cidades, é condição de habitação. A defesa das mulheres, dos direitos humanos, dos negros, dos pobres, dos indígenas, é política ambiental também", argumenta.
"Falácias de Bolsonaro"
A comparação entre os concorrentes feita pelo Observatório do Clima não considerou Jair Bolsonaro. "A gente já viu a que ele veio pelos últimos três anos de governo", ressalta Astrini, dizendo que a capacidade de o Estado brasileiro lidar com o crime ambiental "foi completamente sabotada no governo Bolsonaro".
Citadas em cinco das 45 páginas do plano de reeleição de Bolsonaro, as propostas se confundem com propaganda da atual administração e de programas que não saíram de papel de fato no mandato, como o Floresta+.
O texto diz que "a questão ambiental deve continuar sendo constantemente fortalecida e seguir consolidada como tema-chave de Estado, integrada nas ações, tomadas de decisão e políticas públicas". No atual mandato de Bolsonaro, os índices de desmatamento na Amazônia voltaram a níveis recordes, assim como as queimadas, invasões de terras indígenas e unidades de conservação.
Em abril de 2020, em plena pandemia, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou numa reunião ministerial que o governo deveria aproveitar a emergência sanitária para "passar a boiada" e "passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação".
"É uma falácia o programa apresentado por Bolsonaro. Proposta não é quantidade de páginas. O que está nela é o que assusta: defesa do agronegócio, defesa de grandes projetos para a Amazônia – o que nunca foi a solução, o que sempre trouxe destruição ambiental", opina Farias, pesquisador da UFPA.
Para além do eleitorado brasileiro, os impactos das políticas antiambientais do atual presidente, que levaram a recordes de desmatamento e queimadas em todo o país, deveriam ser seguidos de perto também por toda a comunidade internacional, como os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), à qual Bolsonaro busca adesão.
"O início do processo de adesão à OCDE não deve ser entendido como uma aprovação ou endosso às políticas vigentes. Há uma longa lista de princípios e critérios de adesão relativos à democracia, política ambiental e direitos humanos, que o Brasil está longe de cumprir", critica Carlos Rittl, conselheiro de Políticas Internacionais da Rainforest Foundation da Noruega.
Legado à próxima liderança
Com uma lista extensa de problemas urgentes a serem enfrentados, como o aumento da pobreza, fome, desemprego e inflação, a próxima administração federal não deve ignorar a emergência das pautas ambientais, como o combate efetivo ao desmatamento, opinam especialistas ouvidos pela DW Brasil.
"Essa medida é urgente para reduzir os danos, os impactos nocivos para o clima e a agricultura e a degradação e exclusão social causados por este processo", analisa Rodrigo Castro, da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
Carolina Mattar defende a volta imediata da participação. "É preciso aprimorar a governança democrática do Brasil para a sustentabilidade, promover cooperação entre os diferentes entes da federação e a participação dos cidadãos na tomada de decisão e fiscalização das políticas públicas em todos os níveis", lista.
"É preciso cuidar da questão indígena. Os territórios estão sendo invadidos, populações estão sendo massacradas, estão morrendo, sendo ameaçadas", destaca Astrini, lembrando ainda a importância da retomada do Fundo Amazônia e do reposicionamento do Brasil como líder na agenda internacional do clima. (DW Brasil)