Mais de 300 famílias cobram da justiça federal reconhecimento de suas terras em área de conflito em Rondônia

Famílias reivindicam do governo federal posse de terras para agricultura familiar e sobrevivência.
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FRANCISCO COSTA
23 setembro 2022
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Famílias não querem perder suas casas (Foto Cedida)

O medo das milícias rurais ainda assusta os moradores da ocupação Amorim entre as cidades de Jorge Teixeira e Campo Novo, distante 322 quilômetros de Porto Velho, RO. Mesmo assim, cerca de 380 famílias continuam brigando na justiça pela posse de suas terras, onde moram há 3 anos e sobrevivem a partir da agropecuária e agricultura familiar. 

Na última terça-feira (20), foram surpreendidos com uma ordem de despejo determinada pela justiça estadual. De acordo com relatos das famílias, dois oficiais de justiça chegaram no acampamento escoltados por sete viaturas da polícia militar para entregar a ordem de despejo, que deverá ser cumprida em dez dias. 

Nesta quinta-feira (22), os moradores da ocupação estiveram reunidos para deliberar sobre quais ações vão adotar. Constituíram advogado pela associação criada por eles e pediram providências do poder judiciário estadual e federal.

O litígio já resultou na morte do trabalhador e liderança rural Wesley Flávio da Silva, 37 anos de idade, que foi assassinado por volta das 9h do dia 17 de junho de 2022 no projeto de assentamento Nova Esperança. Wesley era presidente da Associação de Produtores Rurais Nova Esperança há menos de um ano. O crime continua impune.

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"A gente tem uma vida toda construída aqui, temos nossas plantações, nossos bichos que ajudam na nossa sobrevivência. A gente acredita na justiça, mas também sabemos que tem setores o judiciário que são falhos. Se formos expulsos dessas áreas não temos para onde ir. Não podemos deixar nossa vida, nossas casas de uma hora para outra", disse uma morada em sigilo para nossa reportagem.

O que os trabalhadores querem é que justiça federal reconheça a área de terra com propriedade legítima deles para que possam plantar, colher e sobreviver no local sem conflitos agrários. E cobram dos órgãos ambientais e de reforma agrária como o Incra o reconhecimento da terra para quem mora nela. 

Famílias sobrevivem da agricultura familiar (Foto cedida)

Outro problema encontrado pelos trabalhadores rurais é a falta de transporte escolar para mais de 30 estudantes que moram no acampamento. 

Abandonados pelo poder público (prefeitura, governo), as lideranças mobilizaram a comunidade e conseguiram aquisição de um ônibus para evitar que os filhos fiquem sem escola.

É precário também as condições das estradas de acesso à comunidade que estão cheias de buracos, o que dificulta escoamento da produção.

SOBRE O CONFLITO - A extração ilegal de madeira, grilagem de terras e garimpo de cassiterita estão entre os principais motivos de mortes na zona rural de Rondônia entre as cidades de Campo Novo e Governador Jorge Teixeira.

No mesmo projeto de assentamento onde aconteceu o crime de Wesley Silva, uma pessoa foi morta e o corpo deixado perto do barracão da Associação. É uma região de intensos e violentos conflitos agrários.

O ex-senador Ernandes Amorim é acusado pelos camponeses de grilar terras da União. São mais de quatro mil hectares em disputa judicial onde moram cerca de 300 famílias.

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O político é dono da fazenda Marechal Rondon que possui 13 mil hectares com 16 lotes que foram reconhecidos pelo Instituto Nacionalde Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

O ex-senador nega relação com os conflitos, mas defende garimpeiros. “Não é verdade, inclusive houve denúncias para a Polícia Federal, ela abriu inquérito, comprovou que nada tenho a ver com o garimpo. Pelo contrário, eu sou defensor da classe garimpeira e, como senador, criei a lei que aprovou a profissão de garimpeiro. Desde quando houve essa tal invasão, faz mais de dois anos, nada acompanhei, nem sequer procurei qualquer pessoa que não seja o poder judiciário para tomar as providências devidas em todas as instâncias”.

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Amorim diz que nunca cometeu crimes ambientais, e que é proprietário da fazenda há 30 anos até ser invadida. Falou que suas terras foram alvo de extração ilegal e que não ocupa áreas do Incra.

“Essa área foi invadida por pessoas que não tem nada com agricultura, onde eu tenho uma posse e nós procuramos, através de ação popular, a justiça federal e ela deu a liminar para retirar esse pessoal, assim como a própria justiça do Estado deu liminar e mandou retirar, entregar a posse aos proprietários e eles voltaram a ocupar à força e com armamento pesado e lá se instalou de novo. Mesmo assim, temos novas liminares de todos os proprietários para que sejam todos retirados da área, assim que passe o período da pandemia. E lá não existe sem-terra. Existem pessoas que têm fazendas, armazém, possui terras em outros locais e pessoas criminosas”.

Já o procurador da república, Raphael Belivaqua, discorda do político.

“Foi constatado que existem áreas de assentamento de reforma agrária, ou seja, pessoas já assentadas, não é nem pleito, não é nem reivindicação. É pessoas assentadas da reforma agrária que estão sendo esbulhadas por pessoas poderosas que se dizem proprietárias dessas terras. A gente tenta atuar da melhor forma possível para que as pessoas que são beneficiárias da política pública de reforma agrária sejam efetivamente contempladas e para evitar que outras pessoas façam a tomada dessas áreas, por conta de razões outras que são enriquecimento ou simplesmente lucrar com os imóveis que são públicos”. 

“Quero registrar nosso repúdio a este desgoverno, a estas autarquias de faz de conta, o Incra, que nada tem feito para garantir minimamente a efetivação da política de distribuição de terras para quem nela precisa viver. Quero dar o ultimato ao Ministério Público Estadual. Não dá pra aceitar de bico calado quase cem mortes, em dez anos, sem investigação, sem uma resposta à sociedade, aos familiares”, disse Maria Petronila, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra em Rondônia.

Em 2021, Rondônia foi o estado brasileiro com maior número de pessoas assassinadas em consequência de conflitos agrários. Em todo o Brasil foram registrados 35 assassinatos por conflitos no campo, desses 11 aconteceram em Rondônia, onde também ocorreu um massacre em 2021.

Moradores cobram da justiça posse das terras (Foto cedida)

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