Qual o futuro político e socioambiental de Rondônia a partir das eleições de 2022?

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FRANCISCO COSTA
1 outubro 2022
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Rondônia é um dos menores colégio eleitorais do país (Globo News)

Faltando apenas um dia para as eleições, nossa reportagem consultou um cientista político João Paulo S. L. Viana para entender o cenário eleitoral atual e o futuro em Rondônia, dentro do contexto socioambiental.

E a análise do professor não é animadora referente o estabelecimento de políticas públicas para questões como clima, meio ambiente, populações tradicionais, combate ao desmatamento, grilagem de terras e garimpo ilegal.

VEJA A ENTREVISTA:

Quais os prejuízos socioambientais do avanço da extrema-direita e o ultraconservadorismo em Rondônia?

Rondônia vivencia atualmente um processo de radicalização da política que se acentua após a eleição de 2018. Ainda que essa guinada à extrema direita tenha ocorrido em nível nacional, em Rondônia minha hipótese é de que isso seja ainda mais forte. Há um conjunto de fatores que historicamente influenciam esse quadro ultraconservador dos dias de hoje. Área de fronteira, com experiências autoritárias de formação do antigo território federal e do atual estado, forte influência do militarismo, eleitorado evangélico numeroso desde a década de 1980, e um intenso processo de colonização agrária iniciado na transição território-estado.

A esse conjunto de fatores históricos, os quais denomino "combinação explosiva" para o ultraconservadorismo rondoniense, adicione os governos de extrema-direita eleitos em 2018 nos planos nacional e estadual. São evidentes as pautas antiambientais do governo federal e sua influência sobre Rondônia.

Se você der um mergulho no plenário da Assembleia Legislativa (ALE-RO), poderá verificar que em algumas votações, inclusive consideradas pela Justiça posteriormente inconstitucionais, havia uma nítida cruzada antiambiental. A título de ilustração podemos mencionar como medidas advindas do executivo estadual ou do legislativo, as tentativas de diminuição da área de Unidade de Conservação Ambiental e de liberação de mineração no Rio Madeira, além do esforço dos parlamentares estaduais para proibir a destruição do maquinário apreendido em operações ambientais.

Sob o atual domínio da extrema direita na política rondoniense, pesquisas de organizações especializadas demonstram que somos responsáveis por 12% do total de incêndios no Brasil, o que dá ao estado de Rondônia o triste título de detentor da pior qualidade do ar no mundo. Porto Velho está no topo entre as capitais com o pior acesso a água tratada e saneamento básico. Alguma coisa muito errada está ocorrendo em Rondônia, não tenha dúvida disso.

Se eleitos Marcos Rocha ou Marcos Rogério, e se mantém parcialmente ou total mesma bancada de Rondônia na Assembleia Legislativa e Congresso Nacional, você consegue observar mudanças a curto ou longo prazo para a pauta ambiental em Rondônia ou teremos avanço cada vez mais da destruição e enriquecimento de grupos políticos?

Acredito que num cenário de vitória de qualquer um dos dois candidatos de extrema direita ao governo de Rondônia pouca coisa mudará em relação a atual política implementada nos últimos quatro anos aqui no estado. Importante frisar que há muita gente séria no agronegócio e que está comprometida com a questão ambiental. Mas há também um ponto relevante e que precisa ser levado em conta: a grilagem de terras. Precisamos efetivar a questão da regularização fundiária e investir em fiscalização.

Vejo que para isso seria necessária uma grande frente composta pelo empresariado, organizações da sociedade civil, comunidades tradicionais e instituições. Mas é preciso incluir o empresariado sério. Sem isso, não vejo chances de qualquer mudança do quadro atual e possibilidades de construção de uma agenda política efetiva para o desenvolvimento sustentável na Amazônia rondoniense.

Por quais motivos políticos ligados ao agronegócio, antiambientalistas ganharam força e mandatos nos últimos anos?

O descontentamento de grande parte do agronegócio com o PT está, em larga medida, relacionado ao MST e as políticas ambientais defendidas pelo partido. Cumpre mencionar aqui que a partir de um determinado momento da era Lula há uma diminuição drástica nos índices de desmatamento na Amazônia, que voltam a crescer após o impeachment de Dilma, porém com ainda mais força durante o governo Bolsonaro.

Vejo que a guinada do Brasil à extrema direita fortaleceu ainda mais esses setores radicalizados, que possuem uma visão atrasada de desenvolvimento. Ou seja, esses setores se sentem representados com o atual governo Bolsonaro. Trata-se de grupos com inegável poderio econômico e que tem o governo a seu lado.

A conjuntura de crise econômica e escândalos de corrupção que acarretaram o impeachment de Dilma foram o estopim para que essa direita radical, até então tida por estudiosos como direita envergonhada, saísse de vez do armário. O sentimento antipetista, e aí se insere a questão do MST no campo, serviu de pano de fundo para o aumento dessa radicalização.

Com a suposta eleição de Lula, como vão se comportar os integrantes da extrema-direita com relação a questão de políticas públicas na Amazônia?

Essa questão ainda é uma incógnita. Se por um lado há forte possibilidade de uma oposição radicalizada, até mesmo violenta, por outro lado é preciso lembrar que Lula é um político habilidoso, que sabe dialogar e negociar em conjunturas difíceis. O cientista político americano Barry Ames, professor da Universidade de Pittsburgh, muito conhecido por seus trabalhos sobre o sistema político brasileiro, costuma a dizer que no Brasil as coisas funcionam melhor sob um governo de esquerda (centro-esquerda), porque a direita é fisiológica e assim adere mais facilmente a um governo progressista no poder.

Se esse argumento se confirmar num novo governo petista, pode ser que Lula construa maioria e consiga neutralizar o bolsonarismo, que certamente continuará com ou sem Bolsonaro. Resta saber também como se comportará o núcleo duro bolsonarista, que deve girar em torno de 15 a 20% do eleitorado brasileiro. São esses os mais radicais.

Que cenário pode se esperar nas próximas eleições municipais, teremos novamente fôlego do movimento bolsonarista ocupando câmaras de vereadores e prefeituras?

Em Rondônia, ao que tudo indica, mesmo em caso de derrota bolsonarista as chances desse movimento de extrema direita continuar forte são iminentes. Em recente levantamento realizado pelo Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL) verificou-se que Rondônia foi o único estado no qual Bolsonaro venceu em todos os municípios nos dois turnos da eleição presidencial de 2018. E tudo leva a crer que isso se repetirá na eleição desse ano.

Entretanto, como eu mencionei anteriormente, em caso de retorno do PT ao governo, nós não sabemos como se comportará a oposição, principalmente a direita mais extremada. Apesar de que aqui no estado, esse movimento ultraconservador possui muita força e deve permanecer assim nas urnas, pelo menos, até a eleição local de 2024.

Prof. Dr. João Paulo S. L. Viana


Departamento de Ciências Sociais - Universidade Federal de Rondônia

Pesquisador do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal​






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