Rio Madeira não possui níveis tóxicos de contaminação para humanos e animais pelo garimpo, diz pesquisas

Estudos na Rio Madeira revelam normalidade das concentrações de mercúrio nos compartimentos água, sedimento, solos e plantas
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FRANCISCO COSTA
23 outubro 2022
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Garimpo ilegal de ouro nas proximidades da comunidade de Rosarinho, em Autazes, no Amazonas: prefeitura aciona governo estadual e Ministério Público cobra ação da Polícia Federal (Foto: Bruno Kelly/Greenpeace/Amazônia Real)

Pesquisadores estudam mais de 30 anos os efeitos socioambientais provocados pela extração mineral de ouro nas águas do Rio Madeira em Rondônia. Mas desde então, não encontraram nada alarmante que pudesse justificar como grave referente a contaminar fauna, flora e humanos a partir do uso de mercúrio nas dragas de garimpo ilegal

Na última semana, garimpeiros tocaram fogo em pneus, bloquearam os acessos aos terminais portuários de Porto Velho (RO) em protesto conta operação da Polícia Federal, Ibama, ICMBIO que destruiu mais de 100 balsas que operavam ilegalmente no Rio Madeira. Rondônia criou um decreto que legaliza o garimpo, de autoria dos deputados estaduais, homologado pelo governador Marcos Rocha (UB), e teve trechos alterados do texto pelo Tribunal de Justiça, sob alegação de que aumentava impactos sobre o meio ambiente e comunidades tradicionais. 

A reportagem conversou com o professor Wanderley Bastos do Departamento de Biologia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Biogeoquímica Ambiental da universidade. 

HISTÓRICO - A busca por ouro nas águas dos rios de Rondônia é do Amazonas remota aos anos de 1970. "Foi intenso até meados dos anos de 1995 quando deu uma arrefecida em função da queda do grama na Bolsa, entretanto é uma atividade que sempre oscilou sua presença desde então. Atualmente, com crises econômicas pelo mundo e aumento do grama de ouro na Bolsa (de valores), a atividade se ampliou, lembrando que é nas águas baixas que o evento ocorre. Soma-se a isso a nova modalidade, pois os ribeirinhos aprenderam a garimpar. Eles se associam e montam suas 'balsinhas'", diz o pesquisador. 

"Se estuda o mercúrio (Hg) desde 1988 na bacia do rio Madeira. Os 2 primeiros artigos científicos sobre o tema foram publicados pelos pesquisadores Martinelli e colaboradores (1988) na Revista Ambio e os pesquisadores Wolfgang Pfeiffer e Luiz Drude de Lacerda (1988) na Revista Environmental Technology Letter. A partir desse ano os estudos em toda a Amazônia se intensificaram inicialmente estudando os compartimentos ambientais (água, solos, sedimentos, peixes e plantas) e, posteriormente, os humanos por meio de amostras de cabelo, sangue, urina e leite materno", comenta Bastos.

COMUNIDADES ABANDONADAS - Em novembro de 2021, fotos e vídeos revelaram a nova corrida nos rios de Autazes no Amazonas, onde cerca de 2 mil homens formaram verdadeira cidades flutuantes com cerca de 300 balsas para garimpar. Se antes, o garimpo ilegal já tinha autorização dos governos, nos últimos anos ganhou mais força durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), que é de extrema-direita e possui uma agenda antiambientalista. 

A atividade garimpeira com o mercúrio causa impactos em todo o ecossistema e a cadeia biológica do entorno: contamina as águas e degrada as condições de saúde de comunidades ribeirinhas e indígenas, cidades próximas e se estende para além da região. Essa atividade ilegal que suga areia dos rios para procurar minerais gera expectativas e sonhos para muitas famílias de ribeirinhos, excluídas de políticas públicas. 

Nos povoados ribeirinhos de Rondônia, jovens que ficaram sem estudar por falta de ação dos governos ganham até R$ 4 mil em uma semana de trabalho e as meninas são aliciadas para prostituição em balsas. "As meninas trabalham nas cozinhas. Mas algumas seguem para os “bregas”, como são chamados os pontos de exploração sexual", diz a reportagem da Amazônia Real


NOVOS ESTUDOS - "Importante alertar que o garimpo de ouro não é a única fonte de lançamento de mercúrio (Hg) para os ecossistemas aquáticos. O desmatamento e as queimadas remobilizam o Hg em grande parte de origem natural que por centenas de anos foram depositados nos solos amazônicos. Portanto, quando estudamos o Hg no Rio Madeira não temos como dimensionar a sua origem, inclusive ela pode ser relativa aos anos 70 e 80 quando se teve o maior registro de lançamentos de Hg proveniente da atividade de garimpo", diz o pesquisador Wanderley Bastos.

"O mercúrio ao entrar no sistema aquático se transforma em metilmercúrio (MeHg), majoritariamente mediado por atividade microbiológica. Essa é uma molécula organo-metálica de elevada toxicologia, especificamente neurotóxica. Não importa se esse Hg veio do garimpo ou de origem natural estando no curso d ́água ele pode virar MeHg. Entretanto essa transformação é um processo lento, pois depende de condições física e químicas da água específica. Uma vez transformado esse mercúrio incorpora rapidamente na bioma se concentrando em maiores proporções nos peixes de topo de cadeia alimentar (espécies carnívoras)".

De acordo com o professor, do ponto de vista da toxicologia humana, àqueles que consomem mais peixes tendem a apresentar concentrações mais elevadas de mercúrio no organismo. "Objetivamente, nossos estudos na bacia do Rio Madeira revelam normalidade das concentrações de Hg nos compartimentos água, sedimento, solos e plantas, ou seja, dentro dos limites da legislação brasileira, e para espécies de peixes carnívoras alguns indivíduos ultrapassam as concentrações estabelecidas pela legislação, a exemplo, barba-chata (Pirinampu pirinambu), babão (B. platynemum), pintadinho/piracatinga (Calophysus macropterus)".

De acordo com os estudiosos os garimpeiros estão usando técnicas para diminuir os impactos nas equipes de trabalho. "Quanto ao uso e potencial perdas e lançamentos de mercúrio (Hg) para o meio ambiente é importante ressaltar que a tecnologia do garimpo também evoluiu e hoje os lançamentos de Hg são bem menores, pois o uso dos destiladores (cadinho, como os garimpeiros chamam) recuperam cerca de 95% do Hg utilizado no processo e ainda possibilitando o reuso. Esse procedimento reduz a exposição ocupacional, pois o garimpeiro descuidado também se contamina, e também as emissões para o meio ambiente. Esse procedimento faz com eles se protejam dos vapores tóxicos do mercúrio e ainda economizem, pois o Hg também tem custo alto".

E novas pesquisas e amostras estão sendo coletadas para continuar avaliando se o Madeira possui agentes químicos que possam causar prejuízos ambientais e humanos. "Do ponto de vista da exposição humana, estamos atualmente coletando amostras de cabelo no baixo rio Madeira, dentro dos limites de Rondônia, para gerar um diagnóstico da exposição ao Hg no trabalho de doutorado do Fabio Ximenes pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente Selecionamos as localidades de Demarcação, Calama, Nazaré e São Carlos."

"O Brasil é um signatário da “Convenção de Minamata” que tem como principal objetivo reduzir e eliminar o uso do mercúrio nas diversas atividades como na indústria eletroeletrônica, equipamentos na área de saúde, indústria de cloro soda entre outros", finaliza o professor. 

Centenas de balsas de garimpo ilegal no rio Madeira em nova corrida do ouro: estados vêm facilitando atividade garimpeira (Foto: Bruno Kelly / Greenpeace / Amazônia Real)
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