Os objetivos da neutralidade do carbono são inúteis se não agirmos para cumpri-los, afirmou o secretário-geral da ONU nesta quinta-feira (27), destacando que o mundo "não pode mais permitir o greenwashing", termo em inglês que consiste em manter um discurso ecológico ao mesmo tempo em que se promove práticas não sustentáveis.
Diferenças entre promessas e práticas
de países e empresas sobre neutralidade carbono poderiam levar
o mundo a um aquecimento de 2,8°C.
"Os compromissos de
neutralidade do carbono não valem nada sem planos, políticas e
ações que os apoiem", disse Antonio Guterres, em um vídeo
divulgado por ocasião da publicação da avaliação anual do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) sobre o
progresso dos compromissos assumidos no Acordo de Paris de 2015.
"Os compromissos climáticos
globais e nacionais são lamentavelmente insuficientes", disse
Guterres no vídeo, divulgado a menos de duas semanas do início da
conferência climática COP27 da ONU no Egito.
"Em outras palavras,
caminhamos para uma catástrofe global", alertou Guterres. Além
disso, ele pediu que mais objetivos sejam alcançados para respeitar
o compromisso do acordo climático de Paris de limitar o aquecimento
global a menos de 2 ºC em relação aos níveis pré-industriais, e
a 1,5 ºC, se possível.
O público-alvo do vídeo são os governos, particularmente do
Grupo das vinte economias avançadas (G20), do qual o Brasil faz
parte, bem como atores privados e instituições financeiras.
Greenwashing
Cada vez mais governos, empresas e
cidades firmam compromissos com a neutralidade do carbono, mas na
maioria dos casos não serão cumpridos até 2050. "Nosso mundo
não pode permitir mais o greenwashing", alertou Guterres.
O grupo de especialistas
estabelecido pelo secretário-geral para desenvolver padrões e
avaliar os compromissos de neutralidade do carbono por parte de
atores não estatais informará suas conclusões na COP27.
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Milhares de empresas anunciaram
objetivos de neutralidade do carbono, mas muitas são suspeitas ou
inclusive acusadas abertamente de não cumprir com seus
compromissos.
Esse "greenwashing" é
facilitado ainda mais pela falta de um marco internacional comum
para avaliar e supervisionar os compromissos de redução das
emissões. Guterres também mencionou a necessidade de investir
"maciçamente" em energias renováveis, pedindo a criação
de um "pacto histórico entre as economias desenvolvidas e
emergentes do G20" para impulsionar a transição energética.
Aquecimento de 2,8 graus
Um dia após a Secretaria para
Mudança Climática da ONU ter afirmado que os compromissos atuais
estão muito distantes de responder às metas fixadas em Paris, a
avaliação do PNUMA reforçou o alerta. De acordo com o relatório,
os compromissos de redução de emissões deixam o mundo a caminho
de um aquecimento global de até 2,6 graus Celsius até o fim do
século.
O relatório examina a diferença
entre a poluição por CO2, de acordo com os planos dos países para
descarbonizar suas economias, e o que a ciência considera ser
necessário para conter o aquecimento entre 1,5ºC e 2ºC em
comparação com a era pré-industrial.
Além de serem insuficientes, o
documento também alerta para o não cumprimento destas metas, o que
levaria a um aquecimento ainda maior, de 2,8°C, muito acima das
metas do Acordo de Paris.
Pacto
No ano passado, durante a COP26 de
Glasgow, os países assinaram um "pacto" para estimular o
reforço a cada ano das contribuições em nível nacional. Mas
apenas 24 países cumpriram o acordo, segundo o PNUMA.
O relatório afirma que os últimos
compromissos anunciados pelos países, denominados "contribuições
determinadas em nível nacional" (NDC), reduziriam as
emissões em 5% até 2030 em relação à trajetória atual para os
acordos feitos sem condições e em 10% para aqueles efetuados com
condições de financiamento ou ações externas.
Isto, em termos de aquecimento,
implica que as contribuições sem condições "apresentam uma
possibilidade de 66% de limitar o aquecimento a cerca de 2,6°C até
o final do século".
Considerando os compromissos que
apresentam condições, o resultado é um pouco melhor, mas
provocaria um aumento de 2,4°C, que continua muito acima dos
objetivos do Acordo de Paris.
Quando são considerados os
compromissos de "neutralidade de carbono" que vários
países anunciaram recentemente, o aumento pode ser contido a 1,8ºC.
"Mas esta perspectiva
atualmente é inverossímil", destacaram os especialistas no
relatório, que aponta "divergências" entre as promessas
e os resultados.
Covid
Em 2020, as emissões globais
caíram 7%, em linha com o nível esperado para manter o aquecimento
global em 1,5°C, devido ao fato de que a crise da Covid-19
paralisou grande parte da atividade mundial.
Mas o aumento em 2021 pode fazer
deste ano um recorde em termos de emissões, destaca o PNUMA.
"Vemos uma recuperação
completa nas emissões após a Covid. É uma oportunidade perdida em
termos de uso dos fundos de recuperação sem precedentes para
acelerar uma transição verde", afirmou à AFP Anne Olhoff,
principal autora do relatório. (RFI-AFP-G1)