Narcotráfico ameaça territórios de povos tradicionais na Amazônia

Com a ausência do Estado na região, grupos criminosos cooptam ribeirinhos e indígenas como mão-de-obra
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FRANCISCO COSTA
16 novembro 2022
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Polícia Federal atuando no Vale do Javari, Amazonas (Foto: Joao LAET / AFP)

Numa região de dimensões continentais e sem o trabalho permanente de vigilância das fronteiras, a Amazônia brasileira vem sendo tomada por facções criminosas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Além de contar com seus “soldados” recrutados nas periferias das cidades do Norte, o narcotráfico tem imposto uma nova lógica que vai muito além da cooptação de moradores de comunidades ribeirinhas e indígenas para assegurar o domínio das rotas fluviais e “picadas” no meio das matas que escoam a produção de drogas – sobretudo a cocaína.

Com suas terras encravadas na fronteira das Amazônias brasileira e peruana, o povo Ashaninka vive sob constante ameaça. Até a primeira metade da década dos anos 2000, madeireiros peruanos invadiam a Terra Indígena (TI) Kampa do Rio Amônia, no município de Marechal Thaumaturgo (AC). Após intensa mobilização feita pelos indígenas, as autoridades brasileiras coibiram o roubo de madeira. Mas um outro problema também antigo – o narcotráfico na Amazônia -, não só se manteve, como foi ampliado.

“Em nossa comunidade, temos tido o papel de não permitir que isso se instale dentro de nosso território. Sabemos que corremos certo risco. Já fomos ameaçados várias vezes por ter essa postura. O que estamos vendo hoje nos assusta muito. Parece que está tudo liberado para matar, para dominar. Cada um resolve as coisas como quiser. É muito ruim essa sensação que a gente vive aqui”, conta Francisco Piyãko. 

Uma das principais vozes do povo Ashaninka, Francisco Piyãko afirma que o trabalho de proteção territorial e de resistência às pressões do tráfico resulta em ameaças às lideranças. Os Ashaninka já chegaram a ser assediados por narcotraficantes para autorizar a construção de uma pista de pouso dentro de seu território, o que facilitaria a entrada no Brasil da cocaína peruana.

De acordo com Francisco Piyãko, a dinâmica do tráfico nas regiões de fronteira mudou nos últimos anos. Se antes o transporte da droga era feito por “mulas forasteiras”, que não eram conhecidas, hoje ele é feito pelos próprios moradores das comunidades. “Há pessoas envolvidas a ponto de não se sentir como uma mula, mas parte desse sistema. E nós ficamos cada vez mais vulneráveis porque o Estado não melhora a sua presença”, diz a liderança Ashaninka. 

Para fazer o transporte da carga ilícita aos diferentes entrepostos amazônicos – até chegar aos grandes centros distribuidores e consumidores, em viagens que duram dias ou semanas, as “mulas” precisam parar para se alimentar e dormir.

As comunidades ribeirinhas acabam sendo usadas como pontos de “reabastecimento” para comer e descansar. Diante da ação intimidadora dos traficantes, as famílias se veem obrigadas a colaborar. Outros moradores são cooptados para atuar como “olheiros”, avisando sobre a presença de polícia, sendo recompensados financeiramente pelo trabalho.

Se antes a abordagem de cooptação dos nativos acontecia de forma mais sutil, hoje o “recrutamento” ocorre de forma intimidadora. Isso porque o crime se infiltrou em diferentes frentes.

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