Pescadores atacam embarcação de indígenas e ameaçam matar mulher Kanamari no Vale do Javari

O ataque aos indígenas aconteceu em um lago localizado próximo à Base da Frente de Proteção da Funai, no último dia 9, na região do rio Itacoaí.
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FRANCISCO COSTA
17 novembro 2022
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Manifestação em frente a sede da Funai em Manaus após a notícia da confirmação dos homicídios de Bruno Pereira e Dom Phillips (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Um grupo de 12 indígenas (cinco mulheres, quatro homens e três crianças) do povo Kanamari foi ameaçado por três pescadores ilegais armados próximo da Base da Frente de Proteção do Itacoaí-Ituí, na Terra Indígena Vale do Javari (Amazonas), no dia 9 deste mês, por volta de 9h30. Uma mulher Kanamari teve uma espingarda apontada na direção de seu peito por um dos pescadores, que ameaçou matá-la. Sem arma, os outros indígenas temeram por uma tragédia e tentaram convencê-los a desistir do crime. 

Os três pescadores então se afastaram, levando em suas embarcações dezenas de tracajás (quelônios da Amazônia) retirados da terra indígena. De longe, eles atiraram cinco vezes no tambor de combustível (já vazio) do “canoão” no qual os indígenas viajavam. 

Em relato concedido com exclusividade à Amazônia Real, a indígena ameaçada pelo pescador ilegal disse que só não morreu porque havia várias testemunhas no “canoão”, embarcação típica da região do Vale do Javari. Ela lembra as palavras exatas que o pescador lhe disse, enquanto apontava-lhe a arma:

“A frase que ele usou quando colocou a arma de fogo em mim foi: ‘‘você já estava na lista. Só que não tinha certeza, mas agora tenho certeza. A partir de agora, quando eu chegar em Atalaia você não vai escapar. Vamos te matar como aconteceu com o Bruno e o outro’. Ele me disse isso, na frente da minha filha pequena”, contou.

Para ela, que pediu para não ter seu nome divulgado nesta reportagem para preservar sua segurança e de sua família, o pescador só não atirou porque havia crianças e outras pessoas testemunhando.

A abordagem dos pescadores aconteceu durante uma parada do grupo de Kanamari para pescar em um lago chamado Volta do Bindá, no rio Itacoaí. O local é um ponto conhecido dos indígenas, quando eles interrompem a longa viagem para fazer suas refeições. Ele fica a seis horas de viagem (em embarcação pequena) da comunidade ribeirinha Cachoeira, onde foram mortos Bruno Pereira e Dom Phillips, e a uma hora em barco veloz.

O grupo havia saído da aldeia Massapê e já viajava há quatro dias, em um ‘canoão’ de 9HP, e ainda teria mais um dia e meio até chegar na cidade de Atalaia do Norte, na fronteira do Amazonas com o Peru.

“A gente parou na Volta do Bindá porque é um ponto onde a gente pega nosso almoço até seguir viagem. Encostamos o barco e os homens foram pro lago pescar. Enquanto isso, as mulheres ficaram fazendo fogo. Vinte minutos depois, um dos homens (Kanamari) voltou dizendo que encontrou os três pescadores que ofereceram tracajás para que a gente não falasse que eles estavam lá, pra gente não denunciar para a Funai”, conta a indígena Kanamari.

Segundo a indígena, a prática de oferecer tracajás, outros pescados ou carne de caça tem sido recorrente dentro da TI Vale do Javari, na tentativa de comprar o silêncio dos indígenas e intimidá-los para que não denunciem as invasões.

“Eles intimidam e falam: ‘a gente tem tracajá aqui, vamos dar pra vocês, para cada família’. Desta vez, não suportei ver aquela cena, eles intimidando meu povo. Fui na beira do lago e perguntei: ‘por que vocês estão fazendo isso?’, ‘por que estão invadindo (a terra indígena)’? Então pedi pro meu povo pegar os tracajás e jogar dentro na água. Foi quando eles colocaram a arma de fogo no meu seio e falaram que iam me matar. Falei que não tinha medo de morrer, que não tinha medo deles. Mas as pessoas que estavam comigo ficaram com medo, de tirarem minha vida sem eles poderem fazer nada”, conta.

Os três pescadores decidiram então sair do local em canoas carregadas de tracajás pescados ilegalmente, repetindo ameaças aos indígenas.

“A gente se acalmou e eles se afastaram. Na saída do ‘cano’ (pequeno caminho) do lago, eles deram cinco tiros no nosso tambor. Acabaram com o tambor, quiseram mostrar que mandam no local. Quando viram essa cena, as mulheres correram e foram pro barco. Eles saíram e ficamos no local porque os meninos (Kanamari) continuaram procurando nosso alimento”, disse.

Conforme a indígena, o grupo de 12 Kanamari continuou no lago, mesmo com o pavor da ameaça ocorrido minutos antes, porque precisavam aguardar outras três embarcações com indígenas que vinham atrás.

“A gente anda de ‘pec pec’ (outro nome do ‘canoão’) de velocidades diferentes. O que a gente estava era mais rápido. A gente sempre viaja junto e aguarda o que vem atrás. Chegamos primeiro para fazer o almoço e dividir com os parentes dos outros barcos. É assim que a gente viaja”, contou.

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