Logo após o segundo turno das eleições presidenciais, as queimadas dispararam de forma descontrolada em diversos estados da Amazônia, de acordo com dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O pior caso é o de Rondônia, onde foram registrados 1.526 focos de queimadas entre os dias 1 e 10 de novembro. O valor é cerca de 10 vezes mais alto que a média registrada nesse período entre 2012 e 2021 (149 focos).
As
queimadas também dispararam nos estados do Acre, Amazonas e Mato
Grosso, enquanto costumam reduzir neste período de início das
chuvas. Em todos eles, os valores estão muito acima das médias
registradas entre 2012 e 2021 para os primeiros 10 dias de novembro.
No Acre, embora o número de focos seja menor que em Rondônia, o
aumento é ainda mais assustador, com quase 22 vezes mais focos que a
média (882 focos contra 40). No Mato Grosso, foram 858 focos, mais
de 3 vezes acima da média (226 focos). No Amazonas, foram 758 focos,
número quase quatro vezes maior que a média (197 focos).
O
desmatamento também segue em alta na Amazônia. Os
dados de outubro, divulgados pelo INPE nesta sexta-feira (11),
mostram que o bioma teve 904 km² devastados no mês passado, um
valor 3% maior que o registrado em outubro do ano passado e 40% maior
que a média da série histórica do DETER (2015-2021). Com isso, o
desmatamento acumulado entre 01 de janeiro e 31 de outubro deste ano
é o maior valor da série histórica do DETER (desde 2015) com a
destruição de 9.494 km².
O estado do Pará liderou o
ranking de área desmatada, sendo 3.253 km2 de floresta nativa
perdidos desde o início do ano e 435 km² no último mês (48% do
total desmatado no bioma). Seguem Mato Grosso (150 km²), Amazonas
(142 km²) e Rondônia (69 km²). Dois municípios do Pará
apresentam a maior perda florestal desde o início do mês, sendo
Pacajá (56 km²) e Portel (41 km²). As áreas de proteção que
sofreram maior pressão em outubro foram a Reserva Extrativista Chico
Mendes no Acre e a Floresta Nacional do Jamanxim no Pará ambas com 3
km².
“O aumento dos alertas de desmatamento e queimadas
era esperado - ainda assim, os números dos primeiros dez dias de
novembro são assustadores. Enquanto em outubro, as queimadas se
mantiveram no mesmo patamar dos dois anos anteriores, o início de
novembro mostra claramente uma corrida desenfreada pela devastação
em alguns estados. É urgente que os sistemas de
proteção da floresta sejam restabelecidos. O fogo é
um dos principais fatores de degradação no bioma Amazônia, além
de ser responsável por milhares de problemas respiratórios e
internações a cada ano”, afirma Mariana Napolitano, gerente
de Ciências do WWF-Brasil.
O aumento das queimadas e do
desmatamento coincide com a ordem do governo federal para que o
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)
reduzisse os gastos com fiscalização em 80%. Desde o
dia 1 de novembro, áreas do instituto vêm recebendo mensagens com a
ordem de "cancelar todas as operações de fiscalização que
dependem de recursos orçamentários (diárias, passagens,
combustível, suprimento e outros) planejadas para a primeira
quinzena de novembro".
A explosão das queimadas e do
desmatamento logo após o segundo turno das eleições também parece
confirmar os temores de ambientalistas, que previam uma aceleração
dos crimes ambientais nos últimos dois meses do ano, diante da
expectativa de que o próximo governo Lula recupere o sistema de
proteção ambiental.
“Bolsonaro está prestes a
sair e há uma sensação entre os que lucram com a ilegalidade de
que a janela de oportunidade está se fechando. O novo governo terá
muito trabalho para recolocar o país nos trilhos, para acabar com
essa percepção de que a Amazônia é uma terra sem lei. Terá que
reestruturar o Ibama, o ICMBio e a Polícia Federal, voltando a
colocar pessoas com experiência nos cargos mais importantes,
recuperando o orçamento, retomando uma estratégia consistente para
combater o desmatamento e o crime organizado na região, que se
fortaleceu durante os anos de colaboração do governo Bolsonaro”,
afirma Raul do Valle, especialista em Políticas Públicas do
WWF-Brasil
Compromisso insuficiente
Enquanto a Amazônia é palco dessa corrida pela destruição,
grandes empresas que atuam no setor agrícola - e que poderiam fazer
a diferença para contribuir com o fim do desmatamento - apresentaram
um compromisso decepcionante na COP-27, em Sharm El Sheikh, no
Egito.
Na segunda-feira, 7 de novembro, empresas que
representam uma fatia dominante do comércio global de commodities
florestais e de risco ecossistêmico publicaram um roteiro
da cadeia de suprimentos com um caminho de 1,5ºC. O
documento, porém, não
leva à transformação profunda e urgente que é necessária para
eliminar a devastação ambiental das cadeias de suprimentos de
commodities agrícolas, apesar das demandas claras de um coletivo de
organizações da sociedade civil brasileira e internacional,
publicadas em um Manifesto
para o fim do desmatamento e da conversão, endereçado
às empresas e aos governos.
Essas empresas são as
principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa
geradas por meio do desmatamento e destruição de ecossistemas. Mas
o compromisso apresentado na COP-27 não tem uma data de corte clara
para o desmatamento - data a partir da qual o produto não será
considerado em conformidade e livre de desmatamento - nem metas
adequadas para eliminar o desmatamento e a conversão das cadeias
produtivas, como a cadeia da soja. Também, as savanas como as do
bioma Cerrado, que têm valor ecológico e social muito
significativo, ficaram fora do escopo da proposta para livrar as
cadeias produtivas do desmatamento e da conversão.
Sem
eliminar o desmatamento e a conversão de ecossistemas das cadeias de
suprimentos, será praticamente impossível reduzir as emissões
globais de gases de efeito estufa aos níveis
necessários para manter o aumento da temperatura média global
abaixo de 1,5ºC - o que é fundamental para evitar uma catástrofe
climática, como aponta uma nota
técnica elaborada pelo WWF, e entregue aos negociadores
climáticos da ONU na COP-27.