O plantio de mudas é um trabalho coletivo para reflorestar e curar com medicina da floresta os índios (Imagem do Centro Olawatawah) |
Por Francisco Costa – @FCostaReal – No dia 04 de julho de 2021, publicamos essa reportagem e estamos reproduzindo em razão da inauguração do Centro das Plantas Medicinais Olawatawa que acontecerá no dia 19 de março de 2023.
Desmatamento em Rondônia. (Foto: Divulgação/Greenpeace/Marizilda Cruppe/EVE) |
Levantamentos do governo federal e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), ligado à Igreja Católica, afirma que até 2015 Rondônia tinha mais de 15 mil indígenas em seu território. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI), contabiliza mais de 27 terras indígenas, ocupando 21,05% do território estadual.
Indígenas estão plantando raízes de esperança para a floresta voltar a ter vida.
Mas enquanto a destruição do meio ambiente avança de Norte a Sul do Brasil, pequenos projetos de sustentabilidade vão ganhando vida e dando esperança. E são às populações tradicionais que estão dispostas a reconstruir o que o próprio homem branco destrói.
A Terra Indígena Sete de Setembro é localizada entre os municípios de Cacoal, Espigão D’Oeste e Rondolândia, nos estados de Mato Grosso e Rondônia. Ocupa uma área de 248.146,9286 hectares, onde vivem mais de mais de 1.200 indígenas Suruís.
Foi o sertanista da Funai, Francisco Meireles, que criou o acampamento (1969), quando uma epidemia de sarampo dizimou mais de 300 povos originários após contato com homem branco e civilizado (1973). O território foi demarcado em 1976, mas só foi reconhecido como posse definitiva dos Suruís, sete anos depois.
O povo Suruí (significa gente de verdade, nós mesmos) tem sido alvo frequente do tráfico ilegal de madeira e exploração de recursos minerais (ouro, diamantes). Há 14 anos a Funai identificou ao menos 15 pontos de extração ilegal de recursos florestais na Terra Indígena Sete de Setembro. De lá, a madeira seguia para serrarias de Rondônia e do Mato Grosso.
A extração de madeira provocou doenças, como tuberculose, reduziu a caça, pesca, mudou a cultura e os hábitos alimentares fazendo os indígenas dependerem cada vez mais de alimentos industrializados. Em 2007, os Suruís elaboraram um Plano de Gestão de créditos de carbono para os próximos 50 anos e adotaram várias iniciativas de sustentabilidade, preservação e proteção do meio ambiente.
Uma delas foi a criação, há sete anos, do Centro das Plantas Medicinais Olawatawa. O projeto é feito pelo povo Suruí numa área de três hectares dentro da Terra Indígena Sete de Setembro, na comunidade da aldeia Paiter, linha (estrada) 09 (distante 500 metros da aldeia) em Cacoal, que fica a 480 km de Porto Velho, RO.
O centro promove o plantio de mudas para estimular o reflorestamento e o uso dessas plantas para cura de doenças. Tem ainda a vivência dentro da aldeia. Olawatawa na língua (Tupí, linguística Mondé) do povo Suruí, significa “lugar de cuidar de mim”.
“Foi criado com objetivo de preservar o patrimônio cultural, territorial, para resgatar e preservar o conhecimento e cultura tradicional indígena, como o uso das plantas medicinais. Nosso povo começou a sofrer as transformações devido ao contato com não indígena há quase 50 anos. E essa preocupação ocorreu, porque os anciões estão diminuindo a cada ano e são eles que detém o conhecimento e necessitam transmitir para os mais jovens”, diz Naraiamat Surui, coordenador do projeto que conta com ajuda e apoio de mais 25 índios.
Naraiamat é do povo Paiter Suruí, do clã Kaban. Os pais dele nunca tiveram oportunidade de ir à escola. Mas ele deixou seu povo aos 13 anos de idade para estudar o ensino médio na cidade mais próxima, Cacoal, RO.
Naraiamat Surui coordena o Centro das Plantas Medicinais Olawatawa (Arquivo Pessoal) |
Pangaley é uma raiz de cor forte usada como antibiótico para cura de várias doenças (Imagem do Centro das Plantas Medicinais Olawatawa) |
“Os resultados de curas aqui no centro são positivos, como na cura de febre, dor de cabeça, dor de barriga, e vários outros sintomas”, descreve Naraiamat Surui.
No início da pandemia os Suruís registraram crescimento de 240% dos casos de Covid-19. Segundo Naraimat, foi a medicina da floresta reforçou a imunidade da aldeia.
“Antes da vacina usamos muito medicina tradicional aqui no espaço, muitas pessoas foram infectadas com Covid-19, com graves sintomas e foram curadas. Em nenhum momento elas usaram os medicamentos das farmácias. E continuam usando as plantas daqui, mesmo vacinadas”, diz.
Naraimat afirma que seu pai de 62 anos de idade, foi um dos beneficiados pela medicina da floresta na pandemia. “Quando o vírus chegou na aldeia, ficamos isolados na floresta por quatro meses. Naquela época não tinha vacina. Usamos muitas plantas neles. Ele (pai) usou várias espécies de plantas misturadas. Ele ficou tomando chás diariamente e banho com plantas. Depois de uma semana, ele ficou 'curado', segundo exames. As nossas plantas possuem muito potencial, mas a gente não dá valor e usa remédios das farmácias. Então, hoje, estamos valorizando e fortalecendo a medicina nossa”.
“O meu sonho é muito maior do que a minha dificuldade”
Naraiamat Suruí é determinado com a criação e manutenção do Centro das Plantas Medicinais Olawatawa. Passou por cima de inúmeras dificuldades para tornar seu projeto uma realidade.
Hoje ele se diz otimista com os resultados e espera que sua experiência possa estimular novas gerações. “Preservar a nossa floresta, o nosso conhecimento tradicional e a nossa história é ensinar as próximas gerações a lidar com problemas, que já ocorreram, e assim formar as nossas crianças cada vez mais inteligentes e prontos para lidar com o que vier. Sem a história e sem a sua floresta, que é a sua casa, um povo pode acabar se perdendo. Desde os primórdios aprendemos a eternizar o que vivemos para gerar conhecimento aos próximos povos”.
O centro não é uma experiência apenas de reflorestamento ou cura de doenças a partir de medicamentos retirados da floresta.
“Quando criei o Centro, eu pensei que eu estava lutando apenas pela minha comunidade e hoje eu vejo que estou lutando pela vida da humanidade. O meu povo já venceu tantas batalhas, venceu o fantasma de deixar de existir. Eu tenho muito respeito à minha própria cultura. Todos nós temos o mesmo direito à vida. Eu desejo que, daqui a alguns anos, futuras gerações já tenham criado outros mecanismos. Que esse projeto do Centro Olawatawa seja um plano de resistência. Que possamos demonstrar para a sociedade que é possível viver em harmonia com os recursos naturais, seus costumes e rituais. Desejo que consigamos o respeito que nós merecemos".
“Desejo que nossos filhos, amanhã adultos, sejam os gestores desse projeto. Eles darão novos rumos a este trabalho tão importante, que sejam seus próprios médicos, dando outras direções à medicina ocidental, com seus conhecimentos e curas. Desejo que eles possam realmente melhorar o mundo, que todos valorizem seu território, seus costumes, seus rios, porque o espírito do rio cuida da nossa saúde. Queremos uma boa educação dentro da lei da natureza para nossos filhos”, declara Naraiamat Suruí.
“Gostaria que a gente permanecesse o que a gente é. Manter a nossa cultura e não perder a nossa identidade. A minha maior preocupação é com o nosso território, poder continuar com ele, ter árvore em pé, com a floresta viva e com nosso modo de vida".
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