Povo Uru-Eu-Wau-Wau pede desintrusão de invasores da terra indígena (Reprodução/Kanindé) |
A Justiça federal acatou denúncias levadas por organizações que trabalham em defesa dos Povos Indígenas em Rondônia e determinou que o governo estadual, a União, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) apresentem plano conjunto, no prazo de 90 dias úteis, para proteção e preservação da Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, uma das mais impactadas em todo o País pelo desmatamento ilegal.
A decisão é do Juiz federal Hiram Armenio Xavier Pereira. No documento, ele elenca pelo menos cinco requisitos que devem ser atendidos pelo plano conjunto entre as instituições:
Ocupação de, pelo menos, duas bases de apoio fixo e permanente, com um contingente de, pelo menos, 5 pessoas cada;
Patrulhamento no interior e no entorno da terra indígena, com equipe mínima de 15 pessoas e com periodicidade mínima de 10 dias por mês;
Revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves;
Equipe capacitada para apreensão ou destruição de instrumentos de crimes ambientais eventualmente encontrados no interior da TI Uru-Eu-Wau-Wau e de pontes utilizadas para prática dos delitos;
Equipes capacitadas para proceder prisões, em flagrante, de criminosos ambientais e delitos relacionados no interior e no entorno da terra indígena (inclusive, em caso de utilização de radiotransmissores instalados em caminhões ou veículos batedores).
A contagem do prazo passa a valer a partir do momento da notificação. Caso os réus descumpram a determinação judicial, a multa diária é de R$ 1 mil para cada um dos citados.
Pequena vitória
O advogado especialista em Direito Ambiental e Indígena, Ramires Andrade, explica que a ação foi proposta pelo MPF após receber as denúncias feitas pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e pela Associação Jupaú, do Povo Uru-Eu-Wau-Wau.
“Essa decisão atende a uma necessidade muito clara de proteção daquela terra indígena. Coincide, inclusive, com a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que no âmbito da ADPF 709, determina a desintrusão da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, assim como determina, na mesma decisão, a desintrusão da Terra Indígena Yanomami, que sofre toda sorte de desgraças em função do garimpo ilegal”, detalhou Andrade.
Ele classifica como positiva a decisão da Justiça federal, uma vez que reconhece “a situação grave de ameaça aos povos indígenas e à integridade da terra indígena, especialmente, por conta da exploração ilegal de madeira que coloca em risco toda a comunidade e gera situações de intensos conflitos na região”.
Andrade também afirma que foram levados à Justiça reiterados casos de ameaça contra lideranças indígenas, representantes de organizações sociais que trabalham na proteção do meio ambiente e dos povos originários e que as organizações esperam respostas para todos os casos.
“Então, essa decisão vem acolher um anseio muito grande da comunidade indígena e da sociedade civil. E nós, enquanto representantes da sociedade civil, seguiremos acompanhando o desfecho dessa ação“, disse o advogado, que também representa a Associação Kanindé.
Devastação na TI
Na ação que motivou a decisão da Justiça federal, a Associação Kanindé atuou como amicus curiae, fornecendo informações. Indigenista e coordenadora de projetos da organização, Neidinha Suruí diz que a TI Uru-Eu-Wau-Wau está sob constante pressão.
Ela afirma que frente à situação crítica em que se encontra o território, “a decisão traz esperança de que os danos ambientais e os danos aos direitos dos povos indígenas cessem”.
Na decisão, a Procuradoria da República reafirma que vem recebendo diversas representações formuladas pelos próprios indígenas, por intermédio da Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau/Jupaú e Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, que denunciam a prática de diversos crimes ambientais e invasões.
Esclarece, ainda, que “fiscalizações realizadas pela Funai e demais órgãos ambientais constataram a presença de verdadeiras organizações criminosas constituídas por grileiros, madeireiros e garimpeiros atuando na extração ilegal de madeiras e loteamento da área em variados pontos”.
Ainda segundo a Justiça, são diversos os motivos que contribuem com o contexto histórico de invasões na área, “em especial, pela extensão da TI, aliada à inexistência de controle efetivo por parte dos órgãos de fiscalização ou de planejamento articulado”.
Terra sob ameaça
A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau tem quase 2 milhões de hectares e menos de 200 habitantes. Exemplo emblemático da luta e resistência desse povo originário da Amazônia é o assassinato do ativista e líder indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, amigo de infância da ativista Txai Suruí, que falou sobre ele durante discurso na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, em 2021.
O suspeito de matar Ari foi preso apenas dois anos depois do crime, pela Polícia Federal (PF). Ari Uru-Eu-Wau-Wau integrava grupo de vigilância indígena contra a exploração ilegal de madeira na região e era referência entre os indígenas. Ele foi encontrado morto, em abril de 2020, em uma estrada, com lesões no pescoço e na cabeça.
“Que haja uma tomada de decisões pelos órgãos de proteção ambiental, que se proteja a terra indígena, que se proteja os povos indígenas”, defendeu a indigenista Neidinha Suruí. “Para nós, essa decisão é motivo de esperança e esperamos muito que esse plano de proteção, onde todos os órgãos vão estar envolvidos, seja a garantia de se cumprir todos os acordos nacionais e internacionais de proteção aos povos indígenas e de combate ao desmatamento na Amazônia”, concluiu a ambientalista.
A reportagem questionou a Funai, o ICMBio e o governo de Rondônia, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. (Revista Cenarium)