Autoridades presas acusadas de matar Marielle Franco (Divulgação) |
A Polícia Federal prendeu neste domingo (24) três suspeitos de mandar matar Marielle Franco, em um atentado em março de 2018, no qual também morreu o motorista Anderson Gomes.
Foram presos: Domingos Brazão, que é atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado; Chiquinho Brazão, deputado federal do Rio de Janeiro e irmão de Domingos Brazão e Rivaldo Barbosa, que é ex-chefe de Polícia Civil do Rio.
A prisão é parte da Operação Murder, deflagrada neste domingo pela Polícia Federal em conjunto com a Procuradoria-Geral da República e Ministério Público do Rio de Janeiro.
Os irmãos Brazão são políticos com longa trajetória no estado do Rio de Janeiro. Historicamente, essa família tem um reduto eleitoral e político em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, região dominada por grupos paramilitares.
Rivaldo é investigado por obstruir a investigação — ele assumiu a chefia da Polícia Civil um dia antes do atentado.
A seguir, veja a trajetória dos três suspeitos.
Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), o que lhe dá direito a foro especial. Ele, que sempre negou envolvimento com o crime, teve a prisão preventiva expedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Trajetória na política e acusações - Durante a década de 1990, Domingos trabalhou na Câmara dos Vereadores do Rio como assessor parlamentar. Ele foi eleito a um cargo público pela primeira vez em 1996 para ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores do Rio.
Dois anos depois, Domingos foi eleito deputado estadual, cargo que exerceu por cinco mandatos consecutivos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Em 2015, ele foi indicado e eleito por ampla maioria para uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado (TCE) e, por conta disso, se desfiliou do MDB. Naquele ano, a escolha chegou a ser questionada por ele não ter apresentado as certidões cíveis, criminais e eleitorais.
À época, Brazão era réu em um processo de abuso de poder econômico e compra de votos através de centros sociais da sua família na Zona Oeste do Rio. Além disso, se livrou de uma queixa-crime feita pela então deputada estadual Cidinha Campos, ao Tribunal de Justiça do Rio, em um processo de 2014 em que ambos trocaram insultos e palavrões no plenário da Alerj.
Durante seu mandato na Alerj, Brazão chegou a ser afastado por causa de denúncias de compra de votos, mas foi reconduzido ao cargo após uma liminar favorável do então ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Entre os principais redutos eleitorais de Brazão estava Rio das Pedras, o berço da milícia carioca. A sua influência na região fez com que ele fosse citado no relatório final da CPI das Milícias, em 2008. O ex-deputado negou ter envolvimento com grupos paramilitares e os crimes investigados.
Domingos Brazão também foi acusado e depois absolvido de um assassinato, que ele mesmo já admitiu ter cometido. Ele falou sobre isso em plenário da Alerj, em meio a uma briga com a então deputada estadual Cidinha Campos, que o acusava de ter feito ameaças.
"Matei, sim, uma pessoa. Mas isso tem mais de 30 anos, quando eu tinha 22 anos", disse na ocasião. "Foi um marginal que tinha ido à minha casa, no dia do meu aniversário. A Justiça me deu razão."
Em 2017, Brazão foi preso temporariamente com outros quatro conselheiros do TCE na Operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato no Rio. Ele responde até hoje pela suspeita de integrar um suposto esquema criminoso composto por membros do Tribunal de Contas para receber propina em cima dos contratos do estado.
Sua prisão o levou ao afastamento do cargo. Ele só voltou a ser conselheiro em maio do ano passado, após uma decisão favorável da Justiça do Rio.
Mesmo com retorno de Brazão ao TCE, o STF manteve a ação penal que investiga o suposto esquema de propina.
Sobre o caso Marielle - O nome de Brazão foi citado no processo de Marielle desde o primeiro ano das investigações, em 2018.
O primeiro depoimento dele aconteceu em 18 de junho, quando o caso ainda estava nas mãos da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Ele foi intimado a depor na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), que investigava o caso na época. Ele já era suspeito de tentar atrapalhar o inquérito através de uma testemunha falsa.
No depoimento, Brazão disse que teve conhecimento de quem era Marielle em dois momentos: "por ter sido a quinta vereadora mais votada e após sua morte", salientou aos investigadores.
Em 2019, ele foi denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) por obstrução de justiça no caso.
Nesse mesmo relatório da PGR — baseado em um inquérito assinado pelo delegado Leandro Almada da Costa, hoje superintendente da PF do Rio —, Brazão foi apontado como suspeito de ser o autor intelectual do crime. Essa acusação se baseou em conversas interceptadas dos suspeitos envolvidos no caso da falsa testemunha.
O relatório disse que Brazão é "efetivamente, por outros dados e informações que dispomos, o principal suspeito de ser o autor intelectual dos crimes contra Marielle e Anderson, o que deve ser objeto de criteriosa investigação por quem de direito".
A PGR, porém, não pediu o indiciamento do conselheiro, já que não investigava diretamente o caso. Na época, o órgão fazia o que ficou conhecido como "investigação da investigação", isto é, revisava o processo judicial que era tocado pela Polícia Civil para avaliar se havia ocorrido algum desvio.
A denúncia, porém, não avançou no inquérito da Delegacia de Homicídios.
Já a suspeita de atrapalhar as investigações foi apresentada ao STJ em 2019, mas foi rejeitada. A justificativa apresentada pelo relator do caso, Raul Araújo, era de que não entrava no mérito da acusação, mas alegava que o caso deveria tramitar na Justiça comum do Rio, pois Brazão estava afastado do TCE e não tinha mais o foro especial.
No ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio também rejeitou a denúncia, acolhendo um pedido do Ministério Público do Estado. Na época, a promotoria considerou que o conselheiro não atuou para atrapalhar as investigações.
Chiquinho Brazão
O deputado federal João Francisco Inácio Brazão (União Brasil) também tem foro especial. Conhecido como Chiquinho Brazão, ele tem 62 anos, e é o irmão do meio de outros dois políticos no RJ: o deputado estadual Manoel Inácio Brazão, mais conhecido como Pedro Brazão, e Domingos Brazão.
Trajetória na política - Empresário de postos de gasolina, Chiquinho Brazão foi vereador na Câmara Municipal do RJ pelo MDB por 12 anos, inclusive durante os dois primeiros anos de mandato de Marielle, entre 2016 e março de 2018, quando foi assassinada.
Em 2018, Chiquinho foi eleito para a Câmara dos Deputados pelo Avante e, em 2022, foi reeleito, mas, desta vez, pelo União Brasil. Naquele ano, ele teve 25.817 votos.
Em outubro de 2023, o político se afastou da Câmara dos Deputados e assumiu o comando da Secretaria Municipal de Ação Comunitária, no governo de Eduardo Paes (PSD). A indicação foi feita pelo Republicanos, partido do ex-prefeito Marcelo Crivella. Em fevereiro deste ano, ele foi exonerado do cargo pelo prefeito. À época, segundo a prefeitura, a exoneração ocorreu a pedido do próprio Chiquinho.
Em maio do ano passado, Chiquinho chegou a receber dos deputados Pedro Brazão, seu irmão, e de Marcelo Ferreira Ribeiro, conhecido como Marcelo Dino, a maior honraria da Alerj, a medalha Tiradentes.
Sobre o caso Marielle - Ao contrário do irmão, Chiquinho nunca havia sido citado no caso Marielle e, quando perguntado, alega que teve um bom convívio e relação com Marielle Franco nos dois anos em que dividiram o plenário da Câmara do Rio.
Rivaldo Barbosa
O delegado Rivaldo Barbosa foi empossado como chefe da Polícia Civil do RJ em 13 de março de 2018, um dia antes do atentado. Graduado em direito, Rivaldo era coordenador da Divisão de Homicídios e foi convidado para o posto pelo então interventor federal, o general Walter Braga Netto, na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Durante seu discurso, Rivaldo chegou a enfatizar a necessidade de combater a corrupção e "levar tranquilidade à sociedade carioca".
Sobre o caso Marielle - Rivaldo é investigado por obstruir a investigação — ele assumiu a chefia da Polícia Civil um dia antes do atentado.
Segundo as investigações, Rivaldo combinou com Domingos Brazão - antes do crime - de não andar com as investigações e garantir a impunidade.
Um dia após o assassinato de Marielle, Rivaldo disse em entrevista que o caso era um atentado contra a democracia é extremamente grave. "Vamos adotar todas as formas possíveis e impossíveis para dar resposta a este caso gravíssimo", afirmou na época.
"A minha filha confiava nele e no trabalho dele. E ele falou que era questão de honra dele elucidar [a morte da vereadora]. Por questões óbvias, porque a Marielle, além dele confiar, a Marielle garantiu a entrada do doutor Rivaldo no Complexo da Maré depois de uma chacina para ele entrar e sair com a integridade física garantida", disse Marinete Silva, mãe de Marielle Franco sobre Rivaldo Barbosa.
Sobre Braga Netto
Só para entender a relação entre Rivaldo e quem é Braga Netto. O general Walter Braga Netto seria um dos principais “coordenadores” de uma suposta tentativa de golpe durante o governo Bolsonaro.
Braga Netto foi ministro da Defesa e da Casa Civil, além de candidato a vice-presidente na chapa com Jair Bolsonaro (PL) em 2022.
Sua atuação – aponta a apuração da Polícia Federal (PF) – se daria em diversas frentes: política, militar e também na agitação das chamadas “milícias digitais” para distribuição de conteúdo falso sobre o sistema eleitoral brasileiro.
Os indícios da participação de Braga Netto, dizem os investigadores, apontam que o general continuou a articulação mesmo após o segundo turno das eleições.
Fontes da PF consideram que Braga Netto tem um “papel relevante” na trama golpista e deve ser um dos indiciados.
(Com informações do G1/CNN Brasil)