O agronegócio que pressiona as florestas de Rondônia

Soja e pecuária avança em áreas protegidas e territórios de populações tradicionais.
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FRANCISCO COSTA
31 julho 2022
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Fazenda ao largo da BR-319, em Porto Velho (RO), faz limite com bordas de floresta e áreas recém-desmatadas (foto: Nilmar Lage/Greenpeace)

Por: Ricardo Gilson da Costa Silva*


A modernização econômica da Amazônia, iniciada com a abertura da floresta na ditadura militar (1964-1985), tem apresentado um custo socioambiental muito alto para o bioma amazônico, povos indígenas e comunidades tradicionais.

Desde os grandes projetos de infraestrutura (hidrelétricas, polos minerais, polos agropecuário, portos e estradas) às políticas de colonização agrícola, todo o sistema territorial fomentou a expansão da fronteira, que em termos gerais significou a subtração da floresta para dar espaço às pastagens, agricultura, mineração e outras formas de economias extrativas.

Em Rondônia, esse processo resultou em dois grandes impactos estruturantes na sua geografia regional.

No primeiro, deslocou-se o eixo da configuração territorial das margens dos rios Madeira, Mamoré e Guaporé presente até 1970, quando Porto Velho e Guajará- -Mirim formavam a pequena rede urbana com diversos vilarejos, para o interior da floresta, no eixo rodoviário BR-364.

O deslocamento espacial se realizou com a abertura da massa florestal pelo governo federal, implantando projetos de colonização, formação de cidades e expansão urbana.

No segundo impacto, ocorreu uma alteração na lógica econômica regional, quando o extrativismo foi substituído pela agropecuária, mercado de terras e exploração madeireira.

Os efeitos desses processos se revelaram em vários aspectos, ressaltando o crescimento do rebanho bovino, deslocamento da fronteira interna e, mais recentemente, agronegócios dos grãos, que potencializaram o desmatamento¹.

Cresce a Pecuária, Aumenta o Desmatamento

Desde a década de 1970 a pecuária vem crescendo em Rondônia. Segundo os dados do IBGE, em 1970 o estado apresentou 41.030 bovinos, em 1980 esse dado foi de 250.286, cresceu para 1.718.697 em 1990, saltando para 5.664.320 em 2000 e 14.349.219 de bovinos em 2019.

Durante esse período, a pecuária multiplicou 350 vezes, alcançando todos os 52 municípios rondonienses.

As patas do boi abriram caminhos em todas as regiões de Rondônia, e o impacto mais imediato está na ampliação do desmatamento.

Os problemas ambientais decorrentes da pecuária atingiram a massa florestal, de modo que o desmatamento pouco a pouco se tornou a imagem da Amazônia degradada.

Se, por um lado, a pecuária representa o segundo produto de exportação do estado, com a cadeia de carnes cada vez mais ampliada e globalizada, por outro, o desmatamento cresceu e se deslocou para novas regiões rondoniense.

Em 1991, a área desflorestada representava 14% (34.600 km2), resultado de duas décadas de colonização, expansão agropecuária e exploração madeira. Passados 28 anos, o estado de Rondônia já atingiu 39,47% (96.786 km2) de área desmatada (2019), dobrando o impacto ambiental florestal, mesmo com a realização de duas aproximações do Zoneamento Socioeconômico - Ecológico do Estado de Rondônia – ZSEE, que entre outros objetivos consta a preservação ambiental e a proteção das florestas.

Soja, que aumenta o preço da terra, faz expandir a fronteira em Rondônia

Dentre os vetores da globalização que fortemente permeiam o território brasileiro neste início de século XXI, certamente maior destaque se deve à produção de commodities. Essas novas mercadorias invadiram definitivamente o espaço agrário em todas as regiões, modificando as configurações geográficas locais e regionais subvertendo, assim, as lógicas locais aos fluxos globais.

Em Rondônia, a soja vai produzir a sua região, concentrando a produção no sul do estado. Nota-se que em 1998 somente cinco (05) municípios participavam da produção sojeira. Duas décadas depois, o espaço desta comodity amplia-se para 32 dos 52 municípios rondonienses, o que serve como indicador tanto da regionalização consolidada quanto da constituição de novas fronteiras.

A regionalização do agronegócio sojeiro foi o primeiro processo geográfico de diferenciação do espaço agrário rondoniense. Com a concentração dos grãos (soja e milho) formou-se um espaço coorporativo, principalmente da Amaggi (empresa do grupo Maggi) e Cargill, que juntas induziram, normatizaram e coordenaram a produção e a circulação da mercadoria no sul rondoniense.
Regionalização da soja em Rondônia (2017)

Em termos de produção e área plantada, em duas décadas houve um significativo crescimento da soja: a área plantada saiu de 7.892 para 278.533 hectares (ha) e a produção cresceu de 15.791 para 908.702 toneladas no período de 1998/2017, o que representa a multiplicação na ordem de 35 vezes para a área e 58 vezes para a produção.

Para o crescimento da soja, a logística de transportes é condição necessária à fluidez territorial da mercadoria.

A Hidrovia Madeira-Amazonas, com os portos da Hermasa/Maggi e Cargill, permitiu o fluxo da soja de Rondônia e do oeste do Mato Grosso pelo rio Madeira, ligando os portos de Porto Velho (RO) à Itacoatiara (AM), no trecho de 1.015 km (porto da Maggi), e à Santarém (PA), no trecho de 1.603 km (porto da Cargill), locais onde se fazem o transbordo para grandes navios que seguem ao mercado internacional.

Os impactos territoriais do agronegócio da soja foram ampliados em Rondônia. Deve- -se destacar o deslocamento da pecuária do centro-sul para o norte rondoniense (municípios de Porto Velho, Nova Mamoré, Buritis, Ariquemes, Alto Paraiso, Itapuã do Oeste, dentre outros), regiões que em duas décadas se verificou o crescimento da pecuária e do desmatamento.

A soja empurrou a pecuária do sul para o norte rondoniense, para o interior da floresta e das Unidades de Conservação, a exemplo da Resex Jacy-Paraná e Flona Bom Futuro, as duas Áreas Protegidas mais destruídas em Rondônia pela pressão do agronegócio.

Desde o ano 2000, o processo de desmatamento se tornou mais intenso no município de Porto Velho, o que configurou a região de União Bandeirantes como a mais expressiva expansão da fronteira agrícola em Rondônia.

No período de 2000 a 2018, o desmatamento avançou vertiginosamente em Porto Velho, saindo de 3.888,30 km2 (11,23% de desmatamento) passou a 10.199,60 km2 (29,45%) de desmatamento, cuja taxa de variação foi na ordem 162,32%.

Nesse período, Porto Velho passou a compor a relação anual dos municípios da Amazônia Legal que contribuíram no incremento do desflorestamento.

Os dados indicam que 62% do desmatamento em Porto Velho ocorreu no recente período de expansão da fronteira agrícola em Rondônia.

A passividade do Estado (governos de Rondônia, Federal e suas agências de gestão ambiental e territorial) proporcionou esse processo devastador.

O exemplo mais concreto dessa “passividade” em conter a pressão das atividades madeireiras e agropecuária em Áreas Protegidas foram as invasões que terminaram com a redução de 65% da área original da FLONA do Bom Futuro.

No norte rondoniense, essas Áreas Protegidas apresentam as seguintes situações: a RESEX Jacy-Paraná está com 49% da área desmatada, totalmente pressionada com invasões, sobretudo de pecuaristas/fazendeiros.

Trata-se de uma Unidade de Conservação muito fragilizada, inclusive com expulsão dos seringueiros; a Terra Indígena Karipuna sofre nos últimos três anos com frequentes invasões, roubo de madeiras e tentativas de grilagem de terra (4).

O crescimento do agronegócio deslocou as frentes de desmatamento para os limites e, mesmo, dentro das Áreas Protegidas, acelerando as invasões nos territórios protegidos, que atingem tanto a preservação da floresta, quanto os territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais amazônicas.


_______________
*Professor da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP).

¹COSTA SILVA, R. G; LIMA, L. A. P; CONCEIÇÃO, F. S. (Orgs). Amazônia: dinâmicas agrárias e territoriais contemporâneas. São Carlos: Editora Pedro & João, 2018. 337p. Disponível em: http://www.gtga.unir.br/pagina/exibir/950

²Informamos que todos os dados acessados do IBGE foram realizados na plataforma SIDRA. Fonte: IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sidra: Sistema IBGE de recuperação automática. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/home/pmc/brasil

³COSTA SILVA, R. G; MICHALSKI, A. A caminho do Norte: cartografia dos impactos territoriais do agronegócio em Rondônia (Amazônia ocidental). Confins, n. 45, p. 1-22, Paris, 2020. Disponível em: https://journals.openedition.org/confins/28017

COSTA SILVA, R. G; MICHALSKI, A; SOUZA, L. I. T; LIMA, L. A. P. Frontera, derechos humanos y territorios tradicionales em Rondônia (Amazonia Brasileña). Revista de Geografia Norte Grande, n.° 77, p. 253 - 271, 2020. Disponível em: https://scielo.conicyt.cl/pdf/rgeong/n77/0718-3402-rgeong-77-253.pdf

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