BR 319 interliga Rondônia ao Amazonas (Divulgação) |
O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF) vai realizar uma análise para “definir medidas cabíveis” sobre autorização previa concedida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) para a reconstrução do trecho do meio da BR-319 – que liga Manaus a Porto Velho.
O MPF não dá detalhes de quais seriam as ações a partir de agora, mas lembrou que em setembro de 2019, o órgão emitiu uma recomendação ao Ibama para que as diligências em relação à autorização da obra fossem suspensas até que fosse feita uma consulta aos “povos indígenas e tradicionais potencialmente impactados pela reconstrução da rodovia”.
A licença, válida por cinco anos, é um passo a mais para o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) iniciar a reconstrução da rodovia. Existem três fases a serem cumpridas: licença prévia; licença de instalação; e licença de operação.
Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (Inpa) e membro da Academia Brasileira de Ciências, Philip Fearnside vê falhas no processo do Ibama. Para ele, além do aumento da pressão do arco do desmatamento, minando serviços ambientais da floresta amazônica, há um atropelo no processo de consulta aos povos indígenas da região.
“Tinha que fazer a consulta antes de dar a licença. Na consulta, pela convenção [que estabeleceu o direito dos povos indígenas], os indígenas têm que ter a decisão de fazer a obra ou não. Não é uma coisa depois para dar palpite sobre compensação e mitigação”, disse Fearside.
A consulta aos Mura e Munduruku que habitam a região do Lago Capanã é citada no documento do Ibama. Lá o órgão sugere que seja realizada articulação junto ao Instituto Chico Mendes (ICMBio) para avaliar a possibilidade de transformar a área a ser adquirida em unidade de conservação de uso sustentável, que autorize o usufruto sustentável e exclusivo. A ação é condicionante da concessão da segunda licença, a de instalação.
Alerta
A bióloga e especialista em Ecologia de Estradas, Erica Naomi Saito, que é membro da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil), alerta a que a população fique atenta para que o dinheiro público não seja desperdiçado com a obra.
Ela admite que as últimas discussões sobre a rodovia ajudaram na recomendação de construção de pontes e a adequação dos bueiros para permitir o tráfego de animais. No entanto, a ecologista ressalta que o projeto não pensa em ações para prevenir o impacto que grandes fenômenos naturais, como a cheia, pode causar problemas na infraestrutura da rodovia.
“Tinha que ter tido uma análise bem detalhada de como a rodovia vai se comportar quando tiver eventos climáticos extremos. O receio de toda a rede [REET] é que vai ser dinheiro jogado fora. Quando tiver um efeito climático extremo vai esburacando a pista, vai levar a pista embora e isso pode ser investimento que não vai funcionar”, disse Erica.
A pavimentação da BR-319 foi uma das promessas de campanha de Bolsonaro. Durante reunião com empresários em Manaus, o vice-presidente Hamilton Mourão chegou a afirmar que iria “comer boina” se a obra não saísse.
Reação
Nas redes sociais, a autorização para reforma do trecho foi comemorada ainda que com desconfiança, principalmente pela falta de recursos. Na Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano, por exemplo, foram carimbados recursos para asfaltar só 20 quilômetros da estrada e possível motivação eleitoreira.
“A licença é prévia. Portanto, ainda não permite a obra. O que permite a obra é a licença de instalação que ainda não foi expedida. Lembrar ainda que precisa colocar os recursos pra obra no Orçamento”, disse o deputado federal Marcelo Ramos (PSD).
“É bem-vinda a licença. Agora às vésperas das eleições parece uma medida eleitoreira. No orçamento terão que estar os recursos, senão teremos licença, mas não teremos dinheiro”, disse o deputado estadual, Serafim Correa (PSB).
A bióloga especialista em Ecologia de Estradas, Erica Naomi Saito, alerta sobre os cuidados no processo de licenciamento: “A gente não é contra essa rodovia desde que ela seja bem planejada tanto na questão social, quanto na ambiental. A gente sabe porque é importante essa rodovia, mas tem toda essa questão também da proteção da fauna. E quando falo da proteção da fauna eu também estou falando da proteção dos usuários da rodovia, porque se tem uma colisão com o bicho grande, a gente perde o animal, mas também tem o risco para o cidadão. A rodovia está nesse local que alaga e está na maior floresta tropical do mundo. Tem uma diversidade enorme de plantas e animais”. (A Crítica)