Símbolo da resistência dos indígenas isolados no país, “índio do buraco’ é achado morto

O indígena tornou-se um símbolo da resistência dos isolados também porque repetidamente se recusou ao contato
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FRANCISCO COSTA
27 agosto 2022
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Índio abria buracos no chão onde costumava ficar (Txai Suruí)

Um símbolo da resistência dos povos indígenas isolados no país, ele ficou conhecido como “índio do buraco”, por abrir covas no chão, e já foi chamado na imprensa de “homem mais solitário do mundo”. Por mais de 25 anos, esse extraordinário brasileiro – sobre o qual nunca se soube nome, língua e etnia – viveu completamente isolado num pedaço de mata em Rondônia monitorado por indigenistas da Funai (Fundação Nacional do Índio), apesar de intensas pressões de políticos e fazendeiros da região a fim de desacreditar a interdição do território, com cerca de 8 mil hectares, e perseguir os servidores da Funai.

Nesta quarta-feira (24), o indígena foi encontrado pela Funai morto em seu tapiri, “deitado na rede, e paramentado [com penas de arara] como se esperasse a morte”, conforme um indigenista comentou depois. O corpo foi removido para o IML (Instituto Médico Legal) de Porto Velho (RO), onde um exame tentará identificar a causa da morte.

Em 1996, após uma extensa investigação, os indigenistas da Funai Altair Algayer e Marcelo dos Santos conseguiram confirmar a existência do indígena a partir dos primeiros relatos trazidos por um cozinheiro, Gilson, que trabalhava numa serraria na zona rural. Ele contou que madeireiros saíram da mata assustados, dias antes, porque temiam um índio que se movimentava rapidamente na mata.

Marcelo dos Santos disse à Agência Pública neste sábado (27) que o indígena deveria ser enterrado no mesmo local em que viveu e morreu, em um memorial a ser construído pelo Estado brasileiro, e que o território que ele habitava deve ser imediatamente protegido porque corre risco de ser alvo de invasões e degradações. “É óbvio que o corpo tem que ser devolvido à sua terra. Ele é um marco de um genocídio que ainda falta ser detalhado”.

Santos disse que a palavra que define o chamado “índio do buraco” é a “solidão”, à qual ele foi jogado a partir de diversas violências sofridas pelo grupo do qual ele fazia parte e que, com sua morte, desapareceu. “Ele não confiava em ninguém em sua volta porque viveu várias experiências traumatizantes com os não indígenas. Ele temia pela própria vida. Um conjunto de fatores levou a essa solidão. Há relatos de que indígenas isolados foram mortos na região com veneno misturado à comida. Acreditamos que, por isso, ele nunca aceitou a comida que deixávamos para ele na mata."

O “índio do buraco” tornou-se um símbolo da resistência dos isolados também porque repetidamente recusou um contato mais prolongado, chegando a disparar, por duas vezes em anos diferentes, uma flecha na direção de funcionários da Funai que se aproximaram. No fundo de alguns buracos que abria na mata, costumava colocar lanças de madeira, criando armadilhas para afugentar os invasores da sua terra.

A interdição legal do território por ele habitado é um dos maiores exemplos da chamada “política de não contato” adotada pela Funai logo depois do fim da ditadura militar (1964-1985). Por essa política então inovadora, o órgão indigenista assumiu as tarefas de identificar e monitorar indígenas isolados, protegê-los de ameaças, interditar ou demarcar seus territórios e apenas ir ao seu encontro em caso de perigo iminente representado por invasores, como fazendeiros, madeireiros e garimpeiros, ou a partir da decisão dos próprios isolados.

Marcelo e Altair conseguiram confirmar a existência do indígena em dezembro de 1996. Depois a Funai assinou a primeira Portaria de Restrição de Uso, pela qual não indígenas ficaram proibidos de ingressar num pedaço de mata de cerca de 8 mil hectares que incide sobre quatro municípios de Rondônia (Chupinguaia, Corumbiara, Parecis e Pimenteiras do Oeste). A portaria foi renovada em 2009, 2012 e 2015 e o território recebeu o nome de Terra Indígena Tanaru. Com a morte do “índio do buraco”, também surge uma inquietação sobre o destino desses 8 mil hectares pelo risco iminente de serem invadidos e degradados. (Agência Pública)

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