Em Brasília, indígenas marcharam pela Esplanada dos Ministérios e cobraram demarcação, justiça e proteção de suas comunidades, lideranças e territórios. (Foto: Tiago Miotto/Cimi) |
As últimas semanas foram marcadas pelo aumento da violência contra os povos originários em seus territórios, em várias partes do Brasil, mas também por uma grande mobilização indígena em Brasília (DF). Em resposta aos ataques, entre os dias 12 e 16 de setembro, cerca de 120 indígenas de diversos povos e regiões realizaram manifestações e participaram de uma série de reuniões e audiências para denunciar a violência contra suas comunidades e, também, para cobrar a garantia e a proteção de seus direitos.
Participaram da mobilização lideranças dos povos Apãnjekra Canela, Memortumré Canela, Akroá Gamella, Tremembé do Engenho e Kari’u Kariri, do Maranhão, Macuxi, de Roraima, Pataxó, da Bahia, e Xakriabá, de Minas Gerais.
Na quinta-feira (15), os indígenas fizeram uma marcha pela Esplanada dos Ministérios e foram até o Ministério da Justiça, em frente ao qual realizaram uma coletiva de imprensa, onde denunciaram as sete mortes de indígenas ocorridas em contexto violento apenas na primeira quinzena de setembro.
“A tese do marco temporal é inconstitucional. Está em jogo a vida de todos os povos indígenas do Brasil”
STF e marco temporal
Na segunda-feira (12), três lideranças indígenas participaram da posse da ministra Rosa Weber na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Por meio de seu gabinete, a ministra convidou para a cerimônia de posse as lideranças Alenir Aquines Ximenes, Guarani Kaiowá da Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu (MS), Neusa Kunhã Takua, Guarani Nhandeva, vice-cacique da TI Tekoha Jehy, em Paraty (RJ), e David Popygua, Guarani Mbya da TI Jaraguá, em São Paulo.
As lideranças aproveitaram a ocasião para pedir à ministra que o STF proteja os direitos constitucionais indígenas e conclua o quanto antes o julgamento de repercussão geral sobre demarcação de terras indígenas, suspenso em setembro de 2021 após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O caso pode servir para enterrar definitivamente a tese ruralista do chamado “marco temporal” e garantir paz aos povos indígenas em seus territórios.
“Quanto mais se atrasa o julgamento da tese do marco temporal e sua devida extinção no plano jurídico brasileiro, maior violência ocorre nos nossos territórios”, afirmam os povos presentes em Brasília em documento enviado aos ministros da Suprema Corte.
Os indígenas pedem, por isso, “o rápido julgamento” do caso, “com vistas ao apoio à tese do indigenato e total rechaço ao marco temporal. A partir de então, poderemos ter alguma paz em nossos territórios, com as nossas famílias e nossas crianças”.
“A gente veio aqui reivindicar e cobrar os órgãos competentes pela defesa do nosso território e dos nossos direitos”, afirmou Carlinhos Xakriabá, liderança indígena de Minas Gerais, durante a coletiva de imprensa em frente ao Ministério da Justiça.
“O julgamento de repercussão geral do marco temporal é algo que a gente tem a necessidade de ser resolvido o mais rápido possível, porque a tese do marco temporal é inconstitucional. Está em jogo a vida de todos os povos indígenas do Brasil”, reivindicou o Xakriabá.
Em reunião com as lideranças indígenas, a nova presidente da Suprema Corte garantiu que irá colocar o processo em pauta na sua gestão, mas que ainda estuda uma data para que o tema seja analisado pelo colegiado.
Violência nos territórios
Entre as diversas atividades realizadas em Brasília nesta semana, lideranças indígenas participaram de audiências com o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e com a Sexta Câmara do Ministério Público Federal (MPF), cobrando apoio para que as autoridades públicas garantam a conclusão de demarcações de terras e a proteção de comunidades, lideranças e povos ameaçados em seus territórios.
“A terra está pedindo socorro. Estamos gritando para a sociedade que precisamos de ajuda. Onde está o Estado, que deveria nos proteger? Onde está a Funai, que deveria nos proteger? Por que nossas crianças e nossas mulheres estão morrendo? Nosso povo está chorando e ninguém faz nada”, denunciou a jovem Sheila Xakriabá, durante a audiência com o CNDH.
O Conselho comprometeu-se a viabilizar a inclusão de lideranças em programas de proteção e a coordenadora da Sexta Câmara, Eliana Torelly, garantiu às lideranças Pataxó que irá reforçar a incidência junto ao ministro da Justiça, Anderson Torres, para que garanta a presença da Força Nacional e da Polícia Federal nos territórios do extremo sul da Bahia.
“Pedimos justiça e respeito, em nome do povo Pataxó e de todos os povos indígenas, para nossas crianças que estão morrendo”
As providências são voltadas especialmente às TIs Barra Velha do Monte Pascoal e Comexatibá, onde Gustavo Pataxó, de apenas 14 anos, foi assassinado no dia 4 de setembro. Em ambas as terras, os ataques de pistoleiros têm sido recorrentes – um deles, o segundo em menos de uma semana na comunidade conhecida como aldeia Nova, ocorreu quando a delegação indígena já estava em Brasília, no dia 12.
“Os fazendeiros e pistoleiros estão atacando nosso povo diariamente, como aconteceu no território Comexatibá, onde foi atacado e assassinaram Gustavo Pataxó. Assim também no território Barra Velha”, denunciou o líder Suruí Pataxó durante a coletiva de imprensa do dia 15.
“Estamos aqui fazendo um enfrentamento para lutar por nosso direito, pois não queremos ver nossas crianças, nossos anciões e nossas lideranças ameaçados de morte dentro do nosso próprio território”, afirma Suruí. “Não queremos ver nosso povo morrendo mais na mão de grileiro, fazendeiro e muito menos de pistoleiros. Pedimos justiça e respeito, em nome do povo Pataxó e de todos os povos indígenas, para nossas crianças que estão morrendo”.
Além de Gustavo Pataxó, os assassinatos das últimas duas semanas vitimaram três indígenas do povo Guajajara, no Maranhão, e dois Guarani Kaiowá – além de outro adolescente deste povo, de 15 anos, que cometeu suicídio em meio ao contexto de violência e desesperança da Reserva Indígena de Dourados.
A violência atinge também muitos outros povos, vulneráveis pela demora para a demarcação de suas terras, em alguns casos, ou pelo desmonte dos órgãos e mecanismos de fiscalização e proteção territorial, como é o caso dos Guajajara.
“Era para nossas crianças estarem enterrando o nosso povo, e nós, velhos, é que estamos entregando nossas crianças”
“Era para nossas crianças estarem enterrando o nosso povo, e nós, velhos, é que estamos entregando nossas crianças”, lamenta Pjhcre Akroá Gamella. “A gente só quer pedir justiça, que a justiça seja feita. A gente pede de coração, porque chega de sangue. O povo está pedindo socorro”.
“Ninguém, neste momento, queria estar aqui. Queríamos estar na nossa aldeia, estudando, pescando, trabalhando, cultivando e cuidando do nosso território. Mas estamos aqui”, afirmou na coletiva Edinho Macuxi, coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
“Nosso povo está sendo assassinado, nosso território está sendo invadido, nossa água está sendo contaminada, nosso solo está sendo envenenado. Vamos continuar na luta, os povos indígenas não vão abrir mão dos direitos que nós temos, do direito aos territórios, de nossa liberdade, de nossa dignidade”, garantiu.
“Estamos aqui cobrando os três poderes, que precisam respeitar a Constituição, principalmente os direitos dos povos indígenas, que é um direito originário, é um direito sagrado”
“Temos direitos, e esses direitos têm que ser zelados e respeitados. Estamos aqui cobrando os três poderes, que precisam respeitar a Constituição, principalmente os direitos dos povos indígenas, que é um direito originário, é um direito sagrado”, reivindicou o coordenador do CIR.
Durante a semana de incidência na capital federal, as lideranças também fizeram reivindicações e protocolaram documentos junto a órgãos como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Defensoria Pública da União (DPU), entre outros, além de uma audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado.
“Temos direitos, e esses direitos têm que ser zelados e respeitados. Estamos aqui cobrando os três poderes, que precisam respeitar a Constituição, principalmente os direitos dos povos indígenas, que é um direito originário, é um direito sagrado”, resume Edinho Macuxi.
Relatório
Na quinta-feira à tarde (15), as lideranças também participaram da apresentação do relatório “Violência contra os povos indígenas: dados de 2021”, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no auditório do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Brasília (UnB). O evento foi organizado por O Direito Achado na Rua, pelo Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas (Obind), pelo Grupo de Pesquisas em Direitos Étnicos da UnB – Moitará e pelo Cimi.
O relatório com os dados de 2021 foi lançado em agosto e está disponível, na íntegra, no site do Cimi.