Famílias expulsas de suas terras estão em acampamento desumano (Foto de @FCostaReal) |
Um processo judicial de conflito agrário se arrasta sem nenhuma solução até agora na justiça de Rondônia, cercado de abusos, violência, violações de direitos humanos colocando 48 famílias de trabalhadores rurais na mais completa exclusão social. Nossa reportagem mostrou que um grupo armado autorizado por grileiros poderosos e influentes fez ameaças, tortura contra agricultores que sobreviviam da agricultura familiar em um território em Porto Velho. Cerca de quatro meses depois, as famílias mantêm acampamento na frente da sede do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), esperando que se faça justiça e possam voltar para o local de onde foram expulsos com truculência.
Cerca de 90 famílias, que reocupam o seringal do Belmont desde 2014, foram atacadas por homens armados na manhã do dia 18 de setembro de 2022, domingo, por volta das 2h. Os homens usaram revólver calibre 38, fizeram vários disparos na Comunidade do Seringal de Belmont, no Lote 40 B Gleba Belmont, distante 3 quilômetros da Capital. A justiça havia autorizado o uso da terra em favor dos posseiros três dias antes do conflito iniciar.
Mas "os pistoleiros fizeram as famílias saírem de suas casas em fila indiana, com mulheres de um lado e homens de outro, para um lugar aberto e começaram a torturá-los. Foram espancados para que apontassem quem era o ‘Nando’, liderança da comunidade. As crianças e os animais de estimação ficaram dentro da casa coletiva", disse a Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, vinculado à Igreja Católica.
Francisco Hernandez é uma das lideranças agrárias no Estado que vive sob proteção dos órgãos de direitos humanos, depois que sofreu ameaças de grileiros. Desde 2020, Francisco grava em vídeos, áudios e denuncia todas as ameaças recebidas por defender as famílias que trabalhavam no Seringal Belmont há quase 10 anos.
"Enquanto as torturas aconteciam, um dos criminosos entrou na casa e iniciou o roubo levando celulares, documentos pessoais, carteiras, dinheiro. Os criminosos jogaram óleo diesel na parte de cima da casa para incendiá-la. Nesse momento as famílias, mesmo rendidas pelos bandidos, movidas pelo desespero ao perceberem que suas crianças estavam dentro da casa e poderiam morrer queimadas, correram para salvar seus filhos", descreveu a CPT sobre o dia da invasão. Os trabalhadores sofreram hematomas e ferimentos.
As famílias vítimas da violência estão recebendo atendimentos de saúde mental do Núcleo Social de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). O Tribunal de Justiça, o Comando da Polícia Militar e o governo de Rondônia, não se manifestaram sobre os conflitos que envolvem os trabalhadores, muito menos sobre a garantia de proteção à vida deles.
Na época "um dos depoentes, acredita que os criminosos estavam focados em encontrar a liderança do acampamento, e não esperavam que havia crianças, idosos e mulheres. Infelizmente, os animais, precisamente os cães de estimação que estavam na parte de cima da casa, não conseguiram ser salvos, morreram queimados", disse a Comissão. Até hoje um grupo armado permanece na entrada de acesso às terras impedindo a entrada de visitantes.
Em dezembro de 2020, em meio a pandemia, os agricultores foram despejados à revelia por uma decisão judicial, mesmo havendo decreto federal proibindo despejos no período de Covid-19. Por conta do isolamento e distanciamento social para evitar propagação do vírus, as famílias não tiveram acesso à informação de que havia algum processo judicial contra elas.
A terra em disputa já foi reconhecida judicialmente como de propriedade da União e que pode ser usada para fins de reforma agrária. É uma área também com bastante riquezas minerais, o que desperta interesse de grupos empresariais poderosos. A empresa Atual Construção e Incorporação Ltda da Fazenda Santa Elisa é a principal interessada em tirar as famílias da área que pertence ao governo federal.
Casas de agricultores foram incendiadas por grupo armado (Divulgação) |
São desumanas as condições do acampamento na frente do Incra (Foto de @FCostaReal) |
ACAMPAMENTO
Quem antes tinha terra para plantar, colher e sobreviver hoje passa dias intermináveis debaixo de lonas escaldantes em razão do sol quente de Rondônia, correndo risco de doenças com os filhos, que estão sem escola e todos sobrevivem de doações pois estão acampados cerca de 80 dias na frente do Incra na Capital.
O MPE pediu “em caráter de urgência que seja designada audiência de mediação, com urgência, com vistas a minimizar eventual situação de conflito existente no local em questão”, o que não aconteceu desde setembro deste ano. O MP solicitou dos órgãos públicos atendimento de direitos básicos a famílias acampadas em área próxima ao Incra, buscando garantir que o grupo tivesse acesso a serviços essenciais e receba benefícios assistenciais do poder público.
Os trabalhadores cobram do Incra o cancelamento do georreferenciamento irregular da área dos posseiros de Belmont. Documentos comprovam que houve manobras jurídicas e na esfera pública para tomar as terras dos trabalhadores rurais.