Na região Norte do Brasil, jornalistas revelam riscos na cobertura de atos antidemocráticos

De atentado a tiros a uma rádio incendiada, além de ameaças, profissionais da comunicação enfrentam a face mais violenta da extrema direita.
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FRANCISCO COSTA
5 dezembro 2022
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Os fortes estampidos romperam o silêncio da madrugada em Porto Velho, capital de Rondônia. Um homem vestido com uma camisa preta de mangas compridas e boné se aproxima da sede do portal Rondoniaovivo e dispara 19 tiros com uma pistola calibre 9 milímetros contra a fachada. Já na Rádio Nova FM, no distrito de União Bandeirantes da capital rondoniense, um coquetel molotov estilhaça uma porta de vidro e as chamam consomem a sede da empresa. Na região Norte do país, as manifestações antidemocráticas que clamam por um golpe militar, iniciadas a partir da derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL), miram contra o jornalismo.

Em todo o Brasil, desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições, já foram registrados pelo menos 65 episódios de violência política contra jornalistas e comunicadores. A estatística foi publicada no dia 28 de novembro pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Um deles foi o do atentado contra o portal Rondoniaovivo, às 4 horas da manhã do dia 12 de novembro. O fundador da empresa, que tem 18 anos de existência, o jornalista Paulo Andreoli, conta que a hostilidade ao veículo começou quando eles passaram a nominar os protestos como atos antidemocráticos e seus participantes como “golpistas”.

“A mudança editorial foi feita três dias antes do ataque. Com a mudança, o Rondoniaovivo começou a ser atacado pelos golpistas, num trio elétrico em frente ao campo da brigada de selva. Também colocaram o Rondoniaovivo numa lista, assim como uma foto minha”, descreve Andreoli. 

Exercer o jornalismo em Rondônia nunca foi tarefa das mais simples. Mas agora o trabalho da imprensa tornou-se alvo de criminosos. Há oito anos, o próprio portal teve um de seus veículos incendiados, mas Andreoli conta que nunca havia vivenciado nada parecido com o que aconteceu na madrugada de 12 de novembro. Depois do atentado, ele diz ter dois sentimentos: o medo e a esperança. “Temo pela minha vida e a dos meus colaboradores. É temeroso, mas tenho esperança num Brasil melhor a partir do fim deste desgoverno”, sentencia Paulo Andreoli.

Enquanto o responsável pelo ataque ao Rondoniaovivo não é preso, os colaboradores têm de redobrar até mesmo o retorno para casa. “Todos estão tentando manter a calma, porém, há certa tensão no ar”, explica o editor-chefe, Ivan Frazão, de 53 anos, com 27 deles dedicado ao jornalismo. “Já trabalhei em vários veículos. Já cobri tiroteios entre polícia e bandidos, mas nunca vi um atentado contra um veículo de comunicação. Posso te garantir que a sensação é horrível, pois percebe que o crime chegou até você. Antes, o trabalho era noticiar e, agora, você é vítima.”

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Violência sem fim

No último dia 24, a sede da Rádio Nova FM foi incendiada durante a madrugada. De acordo com relato do proprietário do veículo de comunicação, Genilson José Alencar, uma pedra foi utilizada para quebrar a porta de vidro Blindex do local. Depois de invadirem o local, os criminosos atearam fogo. O atentado teria sido motivado por conta do posicionamento da rádio, que foi contra o fechamento da estrada que dá acesso ao distrito de União Bandeirantes.

O caso envolvendo os atentados ao portal Rondoniaovivo e à Rádio Nova FM estão sob investigação da Polícia Federal de Rondônia, pela suspeita de serem crimes por motivação política. A reportagem da Amazônia Real contactou o superintendente da PF no estado, Rafael Dantas, para obter informações sobre o andamento das investigações. Dantas disse que todos os casos estão sob investigação, mas por ora eles são considerados sigilosos.

No município de Cacoal (a 479,7 quilômetros de Porto Velho), outros ataques foram registrados contra os profissionais que atuam na TV Allamanda, afiliada do SBT, durante a cobertura dos atos antidemocráticos. Jornalista profissional há seis anos, Leir Freitas, que é chefe de jornalismo na TV, foi hostilizada por manifestantes enquanto fazia uma passagem ao vivo para o programa Comando Policial.  Antes dela, um outro repórter da emissora já havia passado pelo mesmo problema com os manifestantes. “A nossa equipe tentou fazer a cobertura. Daí começou a manifestação e o meu repórter não conseguiu (fazer o trabalho), porque hostilizaram ele, o chamaram de petista. Como coordenadora, para proteger o repórter, acabei indo para lá”, relata.

Quando chegou a sua vez de fazer uma passagem ao vivo, uma semana após o início das manifestações, Leir sentiu na pele a hostilidade dos manifestantes. A jornalista conta que eles reclamaram da fala do apresentador Diego Maia, que disse que havia menos pessoas do que no dia anterior, e os manifestantes o acusaram de dizer que o movimento havia “perdido a força”.  “Fizemos uma entrada (ao vivo) tranquila. Falei que não tinha bloqueio na rodovia, que o movimento estava sendo pacífico, mas eles não gostaram”, conta.

Enquanto ela aguardava para fazer a segunda entrada ao vivo, passou a sofrer as agressões.  “Começaram a nos hostilizar, nos chamando de comunistas, dizendo que não éramos bem-vindos. Eu não queria sair de lá, mas como só haviam três policiais, eles solicitaram que a gente se retirasse por questões de segurança, para que eles conseguissem manter a nossa segurança”, revelou.

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