Crianças Yanomami desnutridas (Sumaúma) |
O Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional para combate à desassistência sanitária dos povos que vivem no território indígena Yanomami, em Roraima. A portaria foi publicada na noite desta sexta-feira (20) em edição extra do Diário Oficial da União.
A pasta também instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE – Yanomami), que estará sob responsabilidade da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), e anunciou o envio imediato de cestas básicas, insumos e medicamentos.
Entre outros, o comitê será o responsável por coordenar as medidas a serem empregadas durante o estado de emergência, incluindo a mobilização de recursos para o restabelecimento dos serviços de saúde e a articulação com os gestores estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde.
“Se alguém me contasse que aqui em Roraima tinham pessoas sendo tratadas da forma desumana como o povo yanomami é tratado aqui, eu não acreditaria. Nós vamos tratar os nossos indígenas como seres humanos, responsáveis por parte daquilo que nós somos”, comentou Lula.
O presidente disse que as melhorias no território Yanomami podem acontecer a partir de mudanças de comportamento.
“Uma das formas de resolver isso é montar o plantão da saúde nas aldeias, para cuidar deles lá. Fica mais fácil a gente transportar dez médicos do que 200 indígenas que estão aqui”, disse. “Nós queremos mostrar que o SUS [Sistema Único de Saúde] é capaz de fazer um trabalho que honra e orgulha o povo brasileiro como fez na [pandemia de] covid-19”, completou.
Hoje, cerca de 700 indígenas estão sendo atendidos na casa de apoio, a maioria crianças com desnutrição grave.
INICIATIVAS - Umas das ações prioritárias, para o presidente, é organizar a rede logística para o transporte de suprimentos e das pessoas entre as aldeias e a cidade, como a melhoria de pistas de pouso de aeronaves em regiões mais próximas às comunidades. “Não pode ser feito em poucas horas, mas meu compromisso é de fazer”, disse Lula.
Cerca de 200 indígenas que estão na casa de apoio em Boa Vista já tiveram alta, mas não puderam retornar ainda por falta de transporte. “Fiz o compromisso com os irmãos [indígenas] que vamos dar a eles a dignidade que eles merecem na saúde, na educação, na alimentação, no direito de ir e vir para fazer as coisas que eles necessitam na cidade”, completou Lula.
O presidente criticou ainda o governo anterior por permitir que a situação se agravasse. “Sinceramente, o presidente que deixou a presidência esses dias, se ao invés de fazer tanta motociata, tivesse vergonha e viesse aqui uma vez, quem sabe esse povo não tivesse abandonado como está”, argumentou.
Lula viajou acompanhado de vários ministros de Estado e da primeira-dama, Janja Silva.
POVO YANOMAMI - A terra indígena Yanomami é a maior do país, em extensão territorial, e sofre com a invasão de garimpeiros. A contaminação da terra e da água pelo mercúrio utilizado no garimpo impacta na disponibilidade de alimento nas comunidades.
“Mas nós vamos levar muito a sério de acabar com qualquer garimpo ilegal e mesmo que seja uma terra que tenha autorização da agência para fazer pesquisa, eles podem fazer pesquisa sem destruir a água, a floresta e sem colocar em risco a vida das pessoas que dependem da água para sobreviver”, afirmou Lula.
“É importante as pessoas saberem que esse país mudou de governo e o governo agora vai agir com a seriedade no tratamento do povo que esse país tinha esquecido”, declarou Lula.
Em 2022, o Ministério Público Federal (MPF) pediu a retomada de ações de proteção e operações policiais contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Em novembro, o órgão também apresentou ao Ministério da Saúde pedido de intervenção em um dos distritos sanitários locais por suspeita de desvios de recursos públicos.
CRISE HUMANITÁRIA - Nos últimos dias voltaram a circular imagens chocantes dos corpos de crianças e idosos Yanomami, com peles que recobrem apenas os ossos, tão fragilizados que mal parecem se equilibrar. Costelas que parecem perfurar os corpos minúsculos contrastam com barrigas enormes, povoadas por vermes.
Nos 4 anos de governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), 570 crianças com menos de 5 anos morreram no território Yanomami pelo que as estatísticas chamam de “mortes evitáveis”. Isso significa que 570 pequenos indígenas poderiam estar correndo, rindo e inventando brincadeiras, neste momento, se houvesse atendimento adequado de saúde ou ações de prevenção.
Não houve. O número oficial já é 29% maior do que nos 4 anos anteriores, dos governos de Dilma Rousseff (PT) e, após o impeachment, de Michel Temer (MDB). Como o território sofreu um apagão estatístico durante o governo de extrema direita, é provável que a realidade seja ainda mais aterradora. Este é o legado de Bolsonaro.
No território entre os estados de Roraima e Amazonas, onde vivem quase 30 mil Yanomami, a fome se alastrou em uma terra farta de comida. Fragilizados, velhos e crianças sucumbem a doenças que têm tratamento, mas com frequência ele não chega. O descaso é uma sentença de morte.
Um grupo da etnia Yanomami, vive na região de Auaris, no limite do Brasil com a Venezuela, onde o garimpo atua livremente dos dois lados da fronteira. A insegurança alimentar sempre foi uma questão crítica na região. Localizada nas terras altas do território, há menos oferta de comida. Com o garimpo e a explosão da malária, o que era um problema escalou para o caos.
Vários homens da etnia migram para o garimpo do outro lado da fronteira, na Venezuela, deixando as mulheres sozinhas para cuidar das crianças, fazer roça e pescar numa região escassa, desequilibrando todo o modo de vida. Como só os homens caçam, mais uma fonte de proteínas passa a faltar. “Na minha comunidade, todos estão morrendo de fome.
Nos últimos dois anos (2021 e 2022), a região de Auaris, onde vivem 896 famílias, teve 2.868 casos de malária. Dados obtidos por SUMAÚMA apontam que, apenas em 2022, 6 crianças com menos de 1 ano morreram por causas que seriam facilmente evitáveis se houvesse acesso a serviços de saúde ou medicamentos. Na região, 6 de cada 10 crianças menores de 5 anos apresentam déficit nutricional, ou seja, têm peso considerado inadequado para a idade, a maior parte delas já em desnutrição severa. Na Maloca Paapiu, outra região do território Yanomami, acontece o mesmo: 6 de cada 10 crianças dessa faixa etária estão desnutridas.
O helicóptero usado para a remoção de doentes em áreas remotas, onde aeronaves maiores não chegam, ficou quebrado por 10 dias, entre 24 de dezembro e 4 de janeiro. Danificado, demorou a ser substituído. Neste período, segundo as lideranças e os profissionais ouvidos pela reportagem, ao menos 8 pessoas morreram – 4 na região do Surucucu e 4 entre os Sanöma. Nas estatísticas oficiais, porém, constam apenas 3 crianças mortas entre 24 e 27 de dezembro. Cinco mortes, portanto, estão em apagão estatístico. (Samauma, Agência Brasil).
A tragédia dos Yanomami não é novidade para ninguém, o que é novidade é um Presidente da República e seus ministros se deslocar para o local, às pressas, em atenção ao caso. Nada disso adianta se não retirar os garimpeiros ilegais e fortalecer a Funai na região.
— Beto Marubo (@BetoMarubo) January 21, 2023
Falar de trágica situação da saúde dos Yanomami sem apontar para o garimpo que contamina os rios e pros invasores que ameaçam e matam os indígenas não vai adiantar nada. Tem que ter um operação permanente de retirada dos garimpeiros e chegar até quem apoia e financia. +
— elaizefarias (@elaizefarias) January 21, 2023
Ausência do poder público provocou mortes de crianças (Sumaúma) |