Amazônia: quem compra joias manchadas de sangue do povo Yanomâmi?

Como o sofrimento dos indígenas provocado por garimpeiros ilegais pode comprometer a imagem das joalherias e do mercado de ouro
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FRANCISCO COSTA
30 janeiro 2023
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Garimpeiro com ouro na mão Mario (Tama/GettyImages)

A tragédia humanitária dos ianomâmis gera comoção no Brasil inteiro. Difícil não se emocionar com as imagens e as histórias dramáticas de perdas e sofrimentos desses brasileiros. A dimensão do desastre e a crueldade de quem levou o povo ianomâmi a essa situação serão debatidos - e investigados. Ficarão gravados na memória dos brasileiros de todo o país. Há um desejo de buscar os culpados, de investigar, de punir, de interromper o ciclo vicioso que levou a isso tudo. Hoje, além das denúncias de omissão (e conivência) das autoridades que deveriam ter agido, os dedos apontam para os garimpeiros ilegais que invadiram o território indígena.

Mas há razões para crer que a inteligência sobre a tragédia vai se aprofundar na cadeia de financiamento do garimpo e de compra do ouro ilegal manchado de sangue indígena. Quem compra esse ouro? Como ele é comercializado? Quem lava essa extração ilegal? Onde o metal se transforma em produtos finais no mercado? Essas serão as próximas perguntas a serem feitas. É necessário que o setor de joalherias finas, de design, de ourives, que o mercado fashion brasileiro, sofisticado, criativo, digno de nosso orgulho, com grande potencial de exportação, esteja pronto para responder essas perguntas difíceis.

Um levantamento feito em parceria pela Repórter Brasil e a Amazônia Real acompanhou em junho de 2021 o caminho do ouro desde os garimpos criminosos dentro da terra ianomâmi até as lojas de grandes redes de joalherias brasileiras. O relatório não gerou nenhuma resposta das empresas envolvidas. Naquela ocasião, o assunto esfriou. Mas agora todos os negócios ao longo da cadeia do ouro brasileiro estão em risco.

O primeiro risco é de uma campanha de boicote. A ideia pode parecer absurda mas não é tanto assim. Para começar, ninguém come joias de ouro. Não é um item de primeira necessidade. As pessoas compram jóias de ouro porque elas ficaram associadas a preciosidade, beleza, charme e sofisticação. Assim como ficaram, podem deixar de ficar. Lembrem o que aconteceu com os casacos de peles de animais. Durante séculos, foram considerados o supra sumo da elegância.

Bastaram alguns anos de campanha dos ativistas defensores dos animais para manchar de sangue a imagem dos casacos de peles. Designers, fashionistas, modelos, celebridades que desfilavam suas peles mudaram rapidamente o guarda-roupa. Hoje só se vende casaco de peles com muita comprovação de origem. O mercado de joias de ouro também é vulnerável a uma campanha de boicote por razões humanitárias. Senão sua totalidade, pelo menos uma parte. Talvez a parte mais lucrativa. Quem lembra dos “diamantes de sangue”, a campanha pelo boicote das pedras oriundas de minas com trabalho escravo, exploração infantil e promoção de conflitos armados na África?

O segundo risco para a cadeia das joalherias é uma investigação de verdade. A Polícia Federal pode levantar o caminho do ouro do garimpo e chegar a empresas com lojas em endereços caros do Brasil e de capitais do mundo. Os supermercados do Brasil nunca imaginaram que seriam responsabilizados por vender carne de frigoríficos ligados ao desmatamento ilegal na Amazônia. Até que em 2010 uma operação do Ministério Público Federal do Pará denunciou algumas das maiores redes do país e elas foram obrigadas a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, se comprometendo a monitorar melhor seus fornecedores. A cadeia do ouro corre um risco semelhante agora.

Talvez alguns designers mais conscientes ou sensíveis às tendências comecem a se diferenciar - ou ao menos evitar problemas - preferindo outros metais para suas peças. É possível fazer tudo com outros metais como prata, aço e platina, além de outros ainda menos famosos. As joalherias que desejam continuar no ouro devem investir em planos sérios de rastreamento da cadeia, com medidas de transparência, e apoiar de forma contundente o combate ao garimpo ilegal.

Precisam antes de mais nada começar a falar no assunto. É melhor estabelecer uma narrativa propositiva agora do que ser atropelado mais tarde pelo que os outros dizem numa enxurrada de denúncias. Foram anos de descaso com a expansão do garimpo clandestino e toda cadeia de criminalidade e violência associada a ele. O estrago está feito. É hora de trabalho real de todos envolvidos com o ouro brasileiro para ele brilhar outra vez. (Alexandre Mansur - Um Só Planeta)

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