Amazônia Real: Os guerreiros do Médio Javari

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FRANCISCO COSTA
1 junho 2023
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Kora Kanamari (camisa branca) junto com outros indígenas observam árvores derrubadas ilegalmente dentro da TI Vale do Javari (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real).

Médio Rio Javari está cercado por atividades ilegais que tentam dominar o território dos povos indígenas. Em março passado, a Amazônia Real esteve na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, onde ouviu relatos sobre invasões e também conheceu os esforços de enfrentamento dessas ameaças e de outros crimes. Em 2022, os Kanamari estavam montando o grupo Guerreiros da Floresta, e ouviram de Bruno Pereira a promessa de que ele voltaria em 15 dias para ensiná-los a vigiar seus territórios. Em 5 de junho, o indigenista brasileiro e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados dentro do Vale do Javari, mas os Kanamari seguiram em frente.

Por Elaíze Farias e Bruno Kelly (fotos) - Não é fácil para os indígenas da Terra Indígena Vale do Javari fiscalizar aquela imensidão de floresta e centenas de rios. No Médio Javari, um rio de fronteira, que divide Brasil e Peru, o narcotráfico e o roubo de madeira pressionam as aldeias. Para tentar combater a ilegalidade no Médio Javari estão os Kanamari, que criaram o grupo Guerreiros da Floresta, formado por 36 homens. Eles se alternam na vigilância da região em expedições periódicas, com recursos próprios, sem apoio de políticas públicas. Em vez de serem protegidos, eles têm de garantir a própria proteção.


Os Kanamari, que se autodenominam “Tükuna”, são hábeis conhecedores dos furos [atalhos] nas águas para cortar caminho entre galhos, folhas, pedaços de paus e cipós. Eles pisam em silêncio pelo emaranhado de árvores, procurando passagem debaixo de uma chuva fraca, depois de uma tempestade na madrugada. Era março deste ano, e a Amazônia Real foi convidada para participar de uma ação de fiscalização dos indígenas. Esta reportagem faz parte do Projeto Bruno e Dom e é uma investigação colaborativa que reúne 16 veículos de 10 países. O consórcio, coordenado pela Forbidden Stories, entidade que investiga o trabalho de jornalistas assassinados, foi constituído após a morte do jornalista britânico Dom Phillips, em 5 de junho de 2022.


Os meses anteriores haviam sido marcados por episódios de tensão e ameaças no Vale do Javari. Para entrarem na mata fechada, os indígenas Kanamari não dispõem de GPS ou qualquer outro equipamento que aponte os melhores trajetos. Na falta desse tipo de aparelho, eles são obrigados a se guiar apenas pelo conhecimento da floresta e dos caminhos nas águas. Não que eles não gostariam de ter amparo da tecnologia. Por isso também lutam para conseguir apoio para a estrutura de sua própria fiscalização.


Na mata fechada, os Guerreiros da Floresta não demoram para encontrar pelo menos duas árvores nobres derrubadas prontas para serem serradas pelos madeireiros. Os invasores não foram flagrados pela equipe. Uma das madeiras era a da árvore caferana, muito procurada na região, segundo os indígenas. A outra era maçaranduba.


“Derrubaram duas só daqui dessa área. Eles procuram mais nessa área porque tem menos gente e o rio fica bem longe. Eles serram dentro da mata para que a gente não ouça a zoada da motosserra e dificultar o trabalho da fiscalização”, declarou o líder Kora Kanamari, enquanto observava os troncos no chão. Naquela expedição, ele está acompanhado de outros sete membros dos Guerreiros da Floresta.


O tronco encontrado naquele domingo chuvoso de março foi deixado para trás porque os indígenas não têm como retirar e muito menos denunciar para uma apreensão emergencial da Polícia Federal (PF). Eles não possuem radiofonia. Sinal de celular ou internet são algo inteiramente inalcançável naquele lugar.


Ele conta que, nos últimos cinco anos, madeireiros brasileiros e peruanos voltaram a entrar no território indígena e o barulho recomeçou. “Voltou a caça, a pesca ilegal e a retirada de madeira. Chegou a questão das drogas, com envolvimento de parentes, que são aliciados nas próprias comunidades. Quando não, os traficantes acuam os caciques. ‘Se nós ficarmos sabendo que está tendo reunião contra a gente, vocês vão pagar’. É o que eles dizem.”



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