Para amenizar danos de estiagem, ações da Defesa Civil levam água potável e cestas básicas às comunidades mais isoladas no interior do Amazonas (Foto: Antônio Lima/SECOM) |
Em um único mês, os moradores de Porto Velho foram surpreendidos com chuvas de granizo, ventos de quase 50/km por hora e raios que arrancaram árvores pela raiz na região central da capital. Casas foram destelhadas e houve queda de energia em diversos bairros. As tempestades de verão trouxeram, junto com elas, a fumaça das queimadas, deixando várias cidades com o ar altamente tóxico. No pior cenário ambiental das últimas décadas, um dos maiores rios do planeta, o Madeira, atingiu o menor nível de água dos últimos 56 anos. Chegou a 1,30 metro na terça-feira, 3. Antes, a menor marca já registrada tinha sido de 1.36 metro, em 2020. Segundo monitoramento da Agência Nacional de Águas (ANA), a cota continua reduzindo, e pode chegar à situação de emergência.
O visual do rio Madeira de hoje é completamente oposto ao de 2014, logo após o funcionamento das turbinas das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, quando houve transbordamentos que atingiram mais de 30 mil famílias, 17 bairros, três distritos e isolou o Acre e a parte mais noroeste de Rondônia por via terrestre com o restante do país.
O rio subiu tanto (19,74 metros) que fez comunidades inteiras ficararem debaixo d’agua, espalhando clima de desespero e falta de perspectivas para ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, trabalhadores rurais e pescadores. Mas a seca deste ano, chegou ao distrito de Calama, distante 139 km de Porto Velho, localidade atingida também pelas hidrelétricas quase uma década atrás.
O professor e morador de Calama Luciomar Monteiro diz que o rio Madeira ainda permanece na normalidade, considerando os anos anteriores, segundo os nativos. “Daqui uns dias vem o repiquete e a água começa a subir” é a expectativa da comunidade, considerando seus conhecimentos tradicionais. A comunidade Demarcação foi onde o rio mais baixou, “ficou completamente inavegável”.
Alguns afluentes do Madeira não têm mais condições de passar com barcos. Os deslocamentos, muitas das vezes, só é possível empurrando as embarcações no braço. “Tão pegando peixe quase na mão, e se continuar secando os animais vão morrer. Por enquanto, não temos relatos de comunidades sem abastecimento de água ou fome ainda”, informa o professor.
Cerca de 15 mil pessoas, que dependem de poços tubulares profundos, estão sendo afetadas pela falta de abastecimento de água tratada no baixo Madeira, informou a Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia (Caerd), por causa da redução do volume de água no lençol freático.
“Estão sendo priorizados o abastecimento de locais que prestam serviços essenciais, como unidades de saúde, escolas e órgãos públicos, para garantir que essas instalações continuem funcionando adequadamente, apesar das condições adversas de abastecimento de água”, disse a Caerd ao Varadouro, por meio de nota. Em algumas cidades de Rondônia, a captação e distribuição de água já diminuiu cerca de 40%.
No monitoramento do Serviço Geológico Brasileiro (CPRM), na última quarta-feira (4), o rio Madeira, em Porto Velho, mediu 1,23 metro às 16h. Já na noite de segunda (8), a medição apontava 1,17 metro. Um volume mais do que crítico e jamais imaginado pela população portovelhense. Nos últimos meses, o gigantesco rio foi reduzido a bancos de areia extensos, o que coloca em risco a navegação das embarcações.
Por determinação da Marinha, as navegações noturnas estão proibidas. A hidrovia do Madeira é uma das mais importantes rotas comerciais entre as capitais Porto Velho e Manaus. Muitos dos produtos que abastecem o mercado manauara saem dos portos da capital de Rondônia.
As altas temperaturas mudaram a paisagem natural. Há 50 anos, o sol forte em Porto Velho marcou mais de 40ºC. Neste ano, agosto foi o mais quente, com o registro de temperaturas de até 37,5°C. Nos dias atuais, o portovelhense tem a sensação de permanecer 24 horas na frente de uma churrasqueira.
A estiagem severa que afeta oito estados brasileiros pressionou a quarta maior usina hidrelétrica do país, a Santo Antônio Energia no rio Madeira. O nível crítico do manancial levou à interrupção momentânea das operações do complexo hidrelétrico. Em comunicado, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) disse que “o abastecimento de energia em todo país está garantido”, mesmo com o volume baixo dos rios na Amazônia.
Há cinco dias, o linhão de transmissão (Linhão do Madeira), que interliga as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau à subestação de Araraquara (SP), abastecendo as regiões Norte e Sudeste do país, foi desligado. De acordo com o ONS, Acre e Rondônia não sofrerão prejuízos. Em Porto Velho houve quedas de energia em diferentes bairros e horários distintos durante parte da tarde e começo da noite da quinta-feira (5).