Comunicadores e jornalistas da região Norte do Brasil obtiveram informações sobre assédio judicial como tática de censura retaliação, superação dos desafios da produção de reportagens na Amazônia, manutenção, sustentabilidade e independência dos meios de comunicação e dicas para fazer jornalismo de maneira mais popular. Todas essas temáticas fizeram parte do encontro regional promovido pela Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores (RNPJC). As atividades ocorreram durante os dias 26 e 27 de março, em Manaus, Amazonas.
O encontro marca o início de um ciclo de formações presenciais que acontecerão em todas as regiões do país. Além de conhecer melhor as necessidades de comunicadores(as) que atuam na região, o intuito foi explorar, em quatro blocos formativos, maneiras de potencializar o trabalho realizado por coletivos e organizações locais, gerando mais autonomia e conexão entre as iniciativas.
Assédio judicial como tática de censura e retaliação
O uso de processos judiciais e a ameaça de represálias judiciais contra pessoas comunicadoras e jornalistas têm sido uma das práticas mais recorrentes de tentativa de silenciamento da liberdade de expressão nos últimos anos. Partindo desta realidade, o primeiro bloco formativo do encontro foi dedicado a apresentar um panorama geral deste cenário e ao compartilhamento de dicas e formas de se blindar contra o assédio judicial – caracterizado pela dificuldade no acesso à assistência jurídica, pela falta de acesso à informação sobre os trâmites processuais e pelo corporativismo do Poder Judiciário.
O bloco foi conduzido por Maria Tranjan, coordenadora do Programa de Participação e Proteção Democrática da ARTIGO 19, que iniciou sua fala apresentando a prática de proteção holística ou integral como uma perspectiva geral para avaliar a segurança em diferentes esferas proteção física, jurídica, reputacional, política, econômica, digital e informacional.
Tranjan explicou que há diversos relatos de pessoas comunicadoras e jornalistas que foram processados e acabaram também sofrendo impactos nas esferas emocional e reputacional, não apenas na jurídica, por isso a necessidade de olhar para todos os aspectos envolvidos.
Foram explorados também os tipos de crimes contra honra (calúnia, difamação, injúria e desacato), recorrentemente usados em violações do direito à liberdade de expressão. Esses processos podem acontecer tanto na esfera civil como na criminal, gerando consequências que vão de retirada de conteúdo e pagamento de indenização a prisão ou prestação de serviços alternativos.
Para se blindar desse tipo de assédio, é recomendado armazenar e manter fácil acesso a todos os registros usados na produção de matérias, além de atenção com assinaturas em materiais que contenham sensibilidade jurídica. A sugestão é que a organização assine esse tipo de conteúdo e não a pessoa redatora, de forma individual.
Em caso de processo, algumas ações que devem ser tomadas envolvem acionamento de advogados ou organizações que oferecem apoio jurídico, reunir provas da veracidade do conteúdo e compreender as acusações antes de publicar o ataque, a fim de evitar agravamento da situação.
Cobertura na Amazônia
“Se você não se indignar, não conseguirá fazer esse tipo de jornalismo”, a frase de Elaíze Farias, cofundadora da agência Amazônia Real, marcou a sua apresentação do segundo bloco sobre cobertura nas florestas. Farias falou sobre a trajetória do veículo ao longo dos últimos dez anos e como a necessidade de dar destaque às populações amazônidas levou a criação da agência.
Foi destacada a importância do planejamento para coberturas jornalísticas dentro da floresta amazônica devido a uma série de aspectos logísticos necessários para chegar em alguns territórios como a quantidade de gasolina, tipo de barco e motor, entre outros.
Ao longo da apresentação, Farias destacou a importância de uma boa pré-apuração do assunto e checagem da viabilidade de produção no território, já que nem sempre será possível concretizar uma pauta. Entre as dicas elencadas, a jornalista reforçou que é imprescindível a autorização prévia das lideranças do território, assim como da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para realizar a cobertura.
Sobre as dificuldades recorrentes em se fazer comunicação na Amazônia, a falta de recursos foi apontada como um fator que pode, por exemplo, inviabilizar a presença física de repórteres. Nesses casos, a indicação é fazer chamadas telefônicas, usar o WhatsApp ou outras redes sociais para captar materiais necessários para a produção da pauta.
Com relação à segurança, a sugestão é sempre ouvir e respeitar as diretrizes das lideranças locais, não produzir durante à noite, contar com ajuda de um motorista de confiança e abandonar o tema se o risco da produção for alto, especialmente no caso de jornalistas locais, que permanecerão no território após a publicação do material.
Sustentabilidade das organizações e captação de recursos
Gabriel Veras, cofundador da Abaré – Escola de Jornalismo, conduziu o bloco sobre sustentabilidade, com foco nas dificuldades e desafios estruturais para captação de recursos.
Entre elas, está a centralização de apoios no eixo Rio-São Paulo, mesmo para explorar temas ligados à Amazônia em detrimento de organizações locais, de menor porte e impactos na saúde gerados por sobrecarga de trabalho. Sobre a formalização das iniciativas, a reflexão foi que, para muitas delas, não faz sentido “burocratizar” seus processos para se encaixarem nesse formato de financiamento, que exige formalização jurídica.
A violência financeira por trás de algumas iniciativas filantrópicas também foi discutida. Há uma lógica capitalista e colonialista por trás de alguns projetos, com intenções que não contemplam a atuação das organizações. Nesse sentido, discutiu-se a coerência em receber recursos de quem, na prática, contribui com os problemas atacados por coletivos e organizações presentes na formação.
Veras também destacou a importância do overhead, ou seja, uma previsão de taxas administrativas (cerca de 10% dos recursos) que as organizações devem fazer em todos os projetos inscritos em editais para custear ações institucionais ou criar fundos que possam subsidiar projetos que não tenham recebido financiamento.
Essa recomendação se dá com base em um diagnóstico geral das organizações presentes: existem financiamentos para projetos e ações institucionais, mas não há previsão de orçamento para apoiar ou solucionar processos de violência como, por exemplo, retirar pessoas ameaçadas de territórios ou para afastar, de forma remunerada, pessoas que precisam parar sua atuação profissional devido à riscos.
Boas práticas em comunicação popular
A proposta do último bloco de formação foi dividir as pessoas participantes em pequenos grupos para debater eixos temáticos relacionados a práticas de comunicação popular nas organizações: 1) Políticas de cuidado; 2) Negócios, imprensa e parcerias; 3) Cobertura nas eleições e 4) Gestão de redes e comunidades. Dayse Porto, educadora e comunicadora popular, e Caê Vatiero, do Programa Proteção e Participação Democrática da ARTIGO 19, facilitaram o bloco.
No primeiro eixo, ações como protocolos colaborativos, o resgate de práticas comunitárias de cuidado tradicionais, criação de estratégias que considerem as realidades locais, além de aumento da diversidade nas organizações e combate ao assédio foram indicadas. Nesse sentido, mostrou-se necessário formalizar espaços de escuta e sensibilizar lideranças e gestão que, muitas vezes, contribuem para o adoecimento e violências enfrentadas por comunicadores(as).
Já o segundo eixo destacou ferramentas para gerir o relacionamento com a imprensa e fazer parcerias: ter uma linha editorial, planejamento, cronograma e plano de comunicação é essencial, bem como elaborar manuais de redes sociais e produção, além de manter um clipping sobre as iniciativas. Política de gênero, código de ética e fidelização da audiência também são ferramentas importantes nesse cenário.
O eixo sobre cobertura nas eleições elencou desafios e oportunidades que as organizações têm nesse período. Se por um lado o poder político e econômico dificultam o trabalho, por outro, o período eleitoral oferece a oportunidade de as organizações realizarem checagem de notícias, combate à desinformação e discurso de ódio, traçar perfis políticos e compartilhamento de conteúdos nas comunidades.
O quarto grupo, por fim, debateu de que maneira os coletivos podem gerir o impacto de suas atuações. O uso de mídias digitais mostrou-se relevante no mapeamento de impressões do público e de atores estratégicos no campo, mas em alguns territórios o material impresso é muito importante para que a comunidade retratada tenha acesso ao conteúdo publicado.
Manter o diálogo constante e ter participação ativa em movimentos de base, conselhos e sindicatos, por exemplo, foi uma das estratégias elencadas para gestão das comunidades.
O encontro foi finalizado com apresentação de integrantes da Associação Indígena Yepa Mahsa, além de sorteios de livros e outras produções trazidas por comunicadores(as).
Grupos de trabalho sobre comunicação popular (Foto: Maria Trajan - Artigo 19) |