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Um grupo de aproximadamente 50 homens cercou e intimidou neste domingo
(14), durante quatro horas, a indigenista Ivaneide Bandeira, a Neidinha Suruí,
sua filha Txai Suruí e outros cinco indígenas, do povo Uru-Eu-Wau-Wau, em uma
estrada que dá acesso ao posto de vigilância da Fundação Nacional dos Povos
Indígenas (Funai), em Rondônia. Junto com Neidinha estavam o artista,
grafiteiro e ativista Mundano e uma equipe de documentaristas, totalizando 16
pessoas. A estrada fica na região do PAD Burareiro e é reconhecida pela
Fundação dos Povos Indígenas (Funai) como terra indígena do povo
Uru-Eu-Wau-Wau. Os homens que abordaram a equipe de Neidinha alegam que são
assentados do Incra e que não há indígenas naquela área.
Neidinha disse à Amazônia Real que, nesta segunda-feira (15), após fazer
Boletim de Ocorrência na Polícia Federal, se deu conta que se tratou de uma
emboscada, na qual as principais vítimas seriam ela, Txai e os indígenas. Ela
também comunicou o episódio à Funai e ao Ministério dos Povos Indígenas.
“Não sei o que poderia acontecer conosco se não fosse a equipe de
documentaristas que a gente estava acompanhando. Agora com a cabeça mais
fresca, percebo que foi uma emboscada, eles sabiam quem a gente era. Eles
estavam muito preparados e orientados. Atravessaram a estrada quando a gente
passava.”
A indigenista disse que durante toda a abordagem, sempre hostil, os
homens fizeram filmagens dela, dos indígenas e dos seus acompanhantes. Até que
ela própria decidiu filmá-los também. Seu receio era que houvesse mais homens
escondidos dentro do mato e que eles estivessem armados, apesar de não terem
apontado armas para ela.
“A gente estava acompanhando o Mundano e uma equipe de um diretor
estrangeiro. O Mundano iria fazer uma intervenção artística na região da
barreira da Funai, a barreira 2, por conta da simbologia e da pressão da
grilagem que tem na área. Passamos por aquela estrada, que é uma estrada de
trânsito de todos nós. Quando estávamos no início ainda eles nos fecharam.
Colocaram carro por todos os lados e não nos deixaram passar, nos cercaram”,
conta a indigenista, que é fundadora da Associação Etnoambiental Kanindé, uma
das mais renomadas organizações indigenistas do país. O documentarista que ela
se refere é Heydon Prowse, diretor e jornalista inglês.
Segundo Neidinha, a partir de então, seu grupo passou a sofrer
intimidação. “Eles disseram que a gente tinha invadido propriedade particular.
Eu disse que ali é terra indígena. Tinham uns que estavam calmos, mas outros
bem agressivos. Mas quase todos com celular gravando na nossa cara, em cima da
gente. Diziam que ali nunca tinham visto índio”, contou.
Ela afirmou que sua maior preocupação era com um dos indígenas
Uru-Eu-Wau-Wau, que estava passando mal antes da abordagem dos homens e que
precisava ser retirado para ser levado ao hospital. Neidinha também ficou
inconsolável quando o indígena mais velho explicou ao grupo de homens que
naquela área está localizado o cemitério onde estão os restos mortais de seus
ancestrais. “Um dos invasores respondeu ao Uru-Eu para ele ‘tirar e levar os
ossos dali’. Foi muito revoltante”, contou.
A situação ficou menos tensa quando um carro da Funai ia passando pela
estrada e levou o indígena doente, com outros dois Uru-Eu-Wau-Wau.
Segundo Neidinha, a abordagem foi planejada porque, além de cercarem e
prenderem o grupo por tanto tempo, os homens queriam forçá-los a aguardar a
chegada de um jornalista apoiador deles.
“Eles queriam que a gente ficasse lá. Queriam nos filmar e nos expor. Eu
fui perdendo a paciência e disse que o que eles estavam fazendo era cárcere
privado e que íamos denunciar na Polícia Federal. Eu fui lá no meio deles e era
uma falação preconceituosa, grosseira. Eles nos arrodeando e um deles me disse
que aquilo era o meu presente do dia das mães”, contou.
Para Neidinha, contudo, os homens deram provas contra eles próprios,
porque demonstraram serem invasores e que impedem os indígenas de usarem seu
território.
Embora tenha conseguido se retirar depois de responder ameaçando
denunciar, o mesmo não aconteceu com a equipe de documentaristas e o próprio
Mundano, que continuou sob o poder dos homens na estrada.
“Eles tiveram que continuar lá até chegar o tal jornalista. Foram
coagidos a falar e a dar entrevista. Foram forçados pelo jornalista apoiador
daqueles homens. Eu vi hoje (15) a entrevista e pelo que senti, eles estavam
acuados”, contou.
Neidinha contou que não é a primeira vez que passa por situação como
esta de ameaça e intimidação, mas em outros “perrengues” as circunstâncias eram
mais previsíveis.
“O que aconteceu ontem foi totalmente surpresa. Nunca passou pela nossa
cabeça que iríamos ser emboscados dessa forma pelos invasores do Burareiro”,
contou. Ela disse que não conhece nenhum dos homens do grupo, mas que foi
reconhecida por um deles.
A indigenista espera que a providência mais urgente seja o retorno de
policiamento para a estrada e para o posto da Funai. “Isso é resultado de terem
tirado a PM e a PF de lá. Por que o pessoal do Batalhão Ambiental saiu também?
Ali ninguém está seguro. O que esses homens fizeram ontem foi muito grave”,
disse.
Neidinha e o povo Uru-Eu-Wau-Wau têm sua luta narrada no documentário “O
Território”, que teve pré-indicação ao Oscar de 2023 e recebeu vários
reconhecimentos em premiações internacionais.